José Saramago, único escritor em língua portuguesa a ganhar o Nobel de Literatura, tinha umas tiradas interessantes. Numa dessas frases ele disse que quando somos jovens podemos tudo, mas sabemos pouco. Na velhice, sabemos muito, inclusive devido ao aprendizado da vida, contudo, pouco podemos.
O tempo tem sido tema para reflexão de escritores e poetas em vários idiomas. Uma das músicas mais bonitas e eternas do cancioneiro internacional, imortalizada na voz de Frank Sinatra, dentre outros cantores, é: “As time goes by”. A música fala que a relação homem e mulher (que parece démodé nos dias de hoje) é fundamental. Namorar e fazer amor sempre fez parte da relação macho-fêmea, em qualquer espécie. Não fosse esta relação gostosa e salutar, a população do planeta, inexoravelmente, estagnaria. Não precisaríamos estudar, em ecologia, a dinâmica de populações.
A melhor idade é a infância e a juventude, não quando chegamos à velhice, como querem aqueles que inventaram a bobagem do “politicamente correto”. Criança e adolescente tem todo um horizonte pela frente. Nessa fase da vida encaramos as pessoas de cabelos grisalhos, principalmente nossos pais e avós, como figuras ultraadas. Com efeito, os nossos primeiros conflitos começam exatamente dentro da nossa casa e com os nossos pais. Os pais, devido ao amor infinito que nos dedicam, conseguem antever equívocos em que possamos nos envolver, mas nós não lhes damos ouvidos. Não raro insistimos nos caminhos equivocados e nos damos mal. Voltamos depois da “burrada” e encontraremos aqueles entes grisalhos e “ultraados” que, de fato, são os nossos verdadeiros amigos, sempre com os braços e o coração abertos para nos receber, já sabendo que aprontaremos outras bobagens que eles perdoarão indefinida e incondicionalmente.
Quando jovens somos sonhadores. Fazemos projetos de conquistar o mundo, ou mesmo de consertá-lo. Entramos por caminhos que se nos parecem interessantes na nossa busca para reconstruir o planeta. Não vislumbramos obstáculos. Acreditamos que todos eles são removíveis, porque temos o vigor da juventude como cúmplice. Mas também temos o desconhecimento como parceiro inconveniente, como advertia Saramago.
O tempo avança e constatamos que, nem tudo que queremos, podemos. Uma percepção às vezes muito cara, porque pode levar a uma espécie de frustração e até de conformismo. Podemos chegar à fase madura e perceber que tudo aquilo que pululava na nossa mente fértil, de apenas poucos anos atrás, não acontece da forma que desenhamos. Os caminhos não são lineares e planos. São tortuosos, pedregosos e montanhosos.
Precisamos aprender com os rios que ao nascerem tem um objetivo: desaguar no oceano mais próximo. Na sua trajetória para atingir esse objetivo, encontram montanhas, penhascos, e os rios, sabiamente, avançam contornando-os. Se necessário, despencam de alturas, que acabam proporcionando espetáculos belos para as nossas vistas. As Cataratas do Iguaçu talvez sejam um dos mais belos espetáculos que um rio pode mostrar, no afã de encontrar o seu caminho para chegar ao seu objetivo. O formato de enormes “serpentes” que assume o rastro do espelho do curso da água dos rios é um exemplo das dificuldades que eles encontram para chegarem onde se propõem.
Na nossa vida também é assim. Imaginamos objetivos a conquistar. Ao contrario da sabedoria dos rios, em geral, não nos preparamos para “serpentear” os obstáculos. Os penhascos que se interpõem na nossa vida, em vez de quedas que proporcionem beleza, como nas cachoeiras, causam dor para nós e para quem nos ama. As quedas, contudo, em geral, não serão em vão. Neste aspecto a nossa trajetória é parecida com a dos rios. Farão parte dos caminhos na busca dos nossos objetivos neste planeta.
Neste processo o tempo nos será algoz e cúmplice. Como algoz, agirá deformando a nossa escultura física, prateando os poucos fios de cabelos remanescentes. A vista “encurta”. Os os ficam mais curtos e pesados. Como cúmplice, o tempo nos ensina a tomar decisões de forma mais bem pensadas. Os ímpetos dão lugar a ações mais cadenciadas. Da mesma forma que os rios, à medida que se aproximam do oceano, antevêem que a sua missão está prestes a ser cumprida, talvez devamos buscar ai lições importantes para o outono da nossa vida. Como os rios, também deixamos para trás, no nosso percurso, um enorme rastro, em que outras águas irão correr. Será muito ruim se deixarmos sujeira, poluição, escavações inadequadas, que visaram encurtar a nossa trajetória na busca de sucessos, mas que deixaram fissuras nos terrenos por onde amos.
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*Artigo publicado em 28/07/2012.