Voltamos ao vale tudo?

José Reinaldo

Ninguém pode duvidar do imenso poder da família Sarney. Na verdade, do senador José Sarney. Sempre que o poder da família corre riscos, que a lei pode alcançá-los, surgem inesperados juízes salvadores para mudar jurisprudências e inovarem com fantásticas interpretações favoráveis da lei, mesmo que não citem onde a jurisprudência está errada ou mesmo onde a acusação errou. E isso aconteceu novamente no julgamento de um caso envolvendo a cassação de diploma de um deputado federal do Piauí. Esse caso serviu para que o TSE mudasse a jurisprudência aplicada pelo próprio Tribunal ao longo de 42 anos. O que são 42 anos de entendimento pacífico no tribunal, quando o objetivo é atender o poderoso senador? O que são centenas de decisões baseadas nessa mesma jurisprudência que concluíram pela cassação de mandatos de prefeitos, deputados, governadores, entre os quais Jackson Lago?

Este último caso então é um primor, pois em estapafúrdia decisão, não apenas cassou o diploma (e o mandato) do governador, mas deu ao segundo colocado o cargo do cassado sem base em nenhuma lei ou na Constituição. Só numa mais que duvidosa interpretação. Mas Jackson Lago havia cometido um crime hediondo; vencer Roseana Sarney, filha de José Sarney, homem mais poderoso do país. Ou não é?

Que pena que tanto poder nunca tenha sido usado para beneficiar o estado mais pobre e atrasado do país.

O parecer do procurador-geral não deixa dúvidas. Com tantas provas, havendo o julgamento, a cassação seria inevitável. Certo disso, a maneira encontrada, certamente apoiada por expressivas e poderosas personagens da política nacional, foi identificar um processo na pauta de julgamentos que tivesse como objetivo a cassação de diploma, para, a partir dele, mudar a jurisprudência e cometer uma aberração: o Tribunal Superior não pode julgar. Quem pode é o Regional. Isso arquivaria o processo pronto para votar, depois de quase três anos de tramitação, ensejando novo início de todas as etapas.

Com efeito, a acusada terminaria o mandato conspurcado, sem ser julgada.

A própria Roseana Sarney, em sua defesa, já havia apelado para essa argumentação. Foi sua primeira preliminar, prontamente rejeitada pelo relator e pelo procurador-geral eleitoral. Vejam como o tribunal afastou essa preliminar: “Preliminar de Incompetência do Tribunal Superior Eleitoral – A competência do TSE para processar e julgar o recurso contra expedição de diploma não se restringe aos casos de presidente e vice-presidente da República. A jurisprudência é pacífica no sentido de que essa competência se estende aos demais cargos eletivos disputados nas eleições federais e estaduais.

A tese da competência, defendida pelos recorridos, ampara-se em voto vencido no Recurso Contra Expedição de Diploma n° 694-AP, de que foi relator o Ministro Ari Pargendler.

Na apreciação final do caso, entretanto, prevaleceu o voto da maioria, reafirmando a antiga orientação de que o Tribunal é competente para julgamento do recurso nas eleições federais e estaduais. Em trecho do lúcido voto do eminente ministro José Delgado, a questão ficou delineada nos seguintes termos: “(…) o TSE, em quatro décadas, tem sólida e uniforme jurisprudência que é da sua competência o julgamento do recurso contra expedição de diploma expedido em favor de senador, deputado federal, e seus suplentes, governador e vice-governador”.

Decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Mas poderoso é poderoso! Vejam:

“Acresce que, depois de muita discussão nessa Justiça Especializada, o tema da competência para julgamento de recurso foi levada ao Supremo Tribunal Federal, o qual negou referendo à cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 167-Brasília-DF, relator Ministro Eros Grau (sempre ele), que fulminou a pretensão. Logo, até o Supremo já havia reforçado essa decisão em oportunidade anterior.

E o procurador-geral conclui:

“A preliminar de incompetência ainda se funda no fato de que não cabe à Justiça Eleitoral julgar eventual prática de ato de improbidade istrativa. Se os convênios foram realizados com irregularidade ou desvio de finalidade, não cumpriria à Justiça Eleitoral decidir.

Com a devida vênia, o recorrente não pretende a análise dos convênios do ponto de vista de sua regularidade istrativa. O que busca comprovar, na verdade, é a interferência dos convênios na regularidade do pleito, do ponto de vista político e econômico, visando beneficiar e fortalecer as candidaturas dos recorridos.

(…) A questão foi retratada, de igual modo, no Recurso Ordinário n° 728 – Palmas-TO, relator Ministro Luiz Carlos Madeira, de cujo acordão se extrai trecho elucidativo: (…) Na ação de impugnação de mandato eletivo, cabe a Justiça Eleitoral analisar se os fatos apontados configuram abuso de poder, corrupção ou fraude e se possuem potencialidade para influir no resultado das eleições.

(…) À vista disso, deve ser afastada a arguição de incompetência”, fulmina o procurador.

O que querem é evitar o julgamento dos atos vergonhosos e fraudulentos daquela eleição, comprovadamente viciada, como bem demonstra o procurador-geral da República, em sua ação contra a governadora Roseana Sarney. Mas isso não poderão evitar. A comprovação dos malfeitos é clara e indiscutível na ação do procurador. Fraudou-se a eleição!

Se o julgamento de Roseana não for feito, o Tribunal terá dado a ela a certeza da impunidade e uma óbvia permissão para tentar influir economicamente na eleição de 2014. E acabará também, por impraticável, a reeleição no país, pois todos os que disputarem no cargo se acharão livres para usar o poder dos seus governos para conseguir um novo mandato.

Essa decisão é um tremendo retrocesso. Ficará livre o uso do poder do dinheiro para ganhar eleições no Brasil.

O prenúncio é de grande sujeira nas próximas eleições.

Tudo isso é fruto do desespero. Eles têm pavor de perder as eleições e o domínio do estado depois de 50 anos de hegemonia irresponsável. Mas eles se enganam, pois isso apenas reforçará no povo o desejo de mudança cada vez mais irreversível e próximo.

O senador José Sarney escreveu em seu jornal que nunca fez mal a ninguém e que não guarda ódio de ninguém, ou seja, nem de mim nem do Jackson, nem de tantos outros adversários.

Repete tanto isso que já virou um mantra. Será que quer que acreditemos?

O ex-governador José Reinaldo Tavares escreve para o Jornal Pequeno às terças-feiras

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