Servir a Deus e mudar a vida das pessoas

Por Flávio Dino

CFPara todos os cristãos, o período da Quaresma é momento de reflexão sobre os mais profundos ensinamentos deixados por Jesus Cristo, em sua agem terrena. São 40 dias em que a comunidade cristã se dedica a renovar sua fé na vida eterna e fortalecer o espírito de comunhão.

No Brasil, a Quaresma é marcada pelas Campanhas da Fraternidade, as quais têm, para mim, um significado muito especial, pois elas foram determinantes para que eu decidisse servir à causa da Justiça Social. Foi nesse período que, em 1983, durante uma palestra do saudoso Padre Victor Asselin, pela primeira vez falei em público. A propósito do tema escolhido para aquele ano, cujo lema era “Fraternidade sim, Violência não”, rompi a timidez de adolescente e dialoguei com meus colegas de escola sobre a violência no campo. Tema, que, apesar de transcorridos mais de 30 anos, continua premente em nosso País.

Neste ano de 2015, primeiro ano em que me foi concedida pelo povo do Maranhão a honrosa missão de istrar o Estado, a Igreja Católica traz um tema que considero de extrema importância no debate público do Brasil. O tema é: “Fraternidade: Igreja e Sociedade” com lema “Eu vim para servir”, retratando o papel dos movimentos religiosos e de cada cristão em sua agem pela dimensão material da existência.

Através deste tema, que inicia seu debate agora, mas que deve perdurar ao longo deste ano, a Igreja reafirma seu compromisso com as “periferias existenciais” destacadas pelo Papa Francisco. Ao ressaltar o seu papel como acolhedora dos homens seguindo a sua doutrina social, a Igreja sinaliza aos cristãos o quão importante é a superação das relações desumanas e de violência que permeiam o contexto mundial, brasileiro e também maranhense. Para alcançar este objetivo, a postura de amor ao próximo e o serviço da Igreja em nome dos mais pobres, servindo-os, são as mensagens que a Campanha da Fraternidade deste ano quer nos trazer com mais ênfase.

Foi neste sentido que o Papa Francisco, que tem feito reiterados gestos em nome da igualdade entre os homens, enviou mensagem ao Brasil, dias antes do lançamento da Campanha pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e sublinhou o papel de cada cristão em promover um mundo melhor. Creio que este momento é capaz de renovar a força transformadora da Ressurreição de Cristo, que é muito maior do que um “evento histórico”, sendo o símbolo máximo da transcendência que integra a vida.

Da mensagem do Papa, dois trechos têm significado muito especial para a realidade do Maranhão e por isso compartilho com todos vocês, a fim de que essa reflexão nos acompanhe efetivamente, tornando-nos capazes de transformar a nossa realidade.

A primeira delas é a agem bíblica que consta no Livro de Marcos, 10:45. “O filho do homem não veio para ser servido, mas para dar a sua vida em resgate por muitos”. A mensagem de entrega da vida a servir aos que mais sofrem é a chave da reflexão da quaresma de 2015. Isso é especialmente relevante para inspirar-nos no gigantesco esforço de redesenhar a política maranhense, deixando para trás o modelo em que a política serve aos políticos, e não à população.

O Papa Francisco, seguindo suas reflexões acerca do tema, também ressaltou a materialidade que esse pensamento deve ter nas ações do nosso cotidiano. Somente assim, cumpriremos a nossa missão na terra. Na carta encaminhada na última semana aos católicos brasileiros, o Pontífice frisou: “Encaminhemos nossas consciências sobre o compromisso concreto e efetivo de cada um na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e pacífica”. A fé transformada em ação em prol do outro, portanto, fortalece a missão cristã de promover paz e igualdade em nossa sociedade. Sublinho, em coerência com a assertiva do Papa, que a visão transcendental do Cristianismo não exclui, ao contrário, exige, um compromisso “concreto e efetivo”. Vale dizer: aqui e agora.

Faço essas considerações sobretudo para homenagear a Igreja Católica pela iniciativa, mas também para deixar claro quais são os valores e princípios que nos sustentam no exercício do mandato popular. Menos preocupação com o poder e seus adereços, mais zelo com a dignidade do serviço em tempo integral a uma causa. Essa é a essência da MUDANÇA com a qual nos comprometemos e estamos fazendo. Com coragem e serenidade.

Advogado, 46 anos, Governador do Maranhão. Foi presidente da Embratur, deputado federal e juiz federal

Campanha da Fraternidade 2014

Por Flávio Dino

Na semana ada, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos teve a felicidade de premiar 12 Anos de Escravidão como melhor filme do ano. A obra retrata, de forma comovente, um norte-americano escravizado que luta por sua liberdade. A premiação ajuda a colocar novamente em pauta o período histórico da escravidão e, principalmente, seus reflexos em nosso cotidiano.

Ver seres humanos tratando seus semelhantes como mercadoria, vendendo-os e obrigando-os a trabalhar apenas em troca dos alimentos mínimos que lhes garantam sobrevivência, é, infelizmente, algo antigo na humanidade, remontando aos tempos anteriores a Cristo. A partir da mundialização do comércio, no século 15, ela tomou outra dimensão. O homem e a mulher escravizados aram a ser um dos principais “produtos” da economia mundial, pelos três séculos seguintes.

Essa prática nefasta foi banida dos sistemas jurídicos por uma luta internacional de bravos militantes em várias partes do mundo. Pessoas que não acreditavam que um ser humano poderia ser superior ou ter direito de submeter os outros. Hoje, parece uma causa até óbvia. Mas, por muitos anos, os que defendiam o fim da escravidão eram tratados como loucos, que pregavam a eliminação de um processo “normal”.

Por aqui, é importante lembrar que nossa Nação se formou com essa chaga e, infelizmente, como já previa o pernambucano Joaquim Nabuco à época da abolição, a escravidão segue uma “mancha de Caim que o Brasil traz na fronte”.

Ainda hoje, há os que tentam lucrar com a absurda exploração do outro, especialmente mulheres, crianças, trabalhadores pobres. É o que alerta a Campanha da Fraternidade deste ano, com o lema: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gálatas, capítulo 5, versículo 1). É uma feliz citação bíblica. Se Cristo, o Redentor, deixou-se morrer na cruz para nos mostrar o caminho da libertação, é claro que a continuidade da escravização de seres humanos é absolutamente indigna e incompatível com a fé cristã.

A iniciativa da CNBB, ao escolher esse tema, tem também o mérito de tratá-lo de modo a abranger múltiplas práticas criminosas: tráfico de órgãos; trabalho escravo; exploração sexual de mulheres; tráfico de crianças e adolescentes. São modalidades de gravíssimas violações aos direitos humanos, contra as quais devemos lutar sempre, para que avancemos na edificação de uma Nação justa.

Lamentavelmente, também nessa temática do tráfico humano, o Maranhão possui péssimos indicadores. Isso, naturalmente, não é obra do acaso. Como explica o próprio texto da Campanha da Fraternidade: “A maioria das pessoas traficadas é pobre ou está em situação de grande vulnerabilidade. As redes criminosas do tráfico valem-se dessa condição, que facilita o aliciamento com enganosas promessas de vida mais digna”.

Dadas as condições precárias e de desgoverno em que o nosso estado se encontra, é fácil entender porque tantos maranhenses são vítimas do tráfico humano. Cabe a todos nós dar um grito de basta. Até Cristo, com sua infinita e divina paciência, “expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas” (Mateus 21-12).