Combater ou Aliviar a Pobreza

José Lemos

A Presidente acaba de anunciar mais um pacote de medidas que, na sua retórica, irá eliminar a pobreza extrema no Brasil. Segundo os padrões oficiais, afetariam as pessoas cuja renda pessoal mensal é igual ou inferior a setenta reais, ou aproximadamente dois reais e trinta centavos por dia. Como os números apresentados no anuncio das medidas pretendem-se rigorosos, depreende-se, por simetria de derivada que, quem tiver dois reais e cinqüenta centavos de renda diária não é pobre extremo. Óbvio que esta forma de aferição de pobreza é inadequada e não se sustenta mesmo numa análise superficial.

Pobreza é um conceito bem mais complexo, e não tão trivial ao ponto de ser eliminada com a simples transferência de renda. Qualquer que seja a magnitude dessa transferência. Pior ainda quando o valor sequer cobre metade do custo de uma cesta de componentes minimamente essenciais como são os alimentos, sobretudo num ambiente de recrudescimento inflacionário em que vivemos, e que é fortemente influenciado pelos preços desses itens. A literatura que trata do tema é vasta, diversificada, controvertida e profunda. Nenhum analista conhecedor dessa literatura que aborda com profundidade teórica e empírica a chaga social chamada pobreza, e que não tenha cargo ou comprometimento com o fundamentalismo ideológico que norteia boa parte da ampla e inimaginável barcaça política que dá sustentação à istração atual, ousaria respaldar semelhante agressão aos fundamentos técnicos mais elementares desse tema.

No meu livro, recém lançado na sua Terceira Edição, depois de fazer uma longa pesquisa na literatura pertinente, e atualizada, acerca deste tema complexo, mas não apenas isso, através da vivencia pessoal em trabalhos de pesquisa viajando pelo Brasil e exterior, ousei esboçar um conceito para pobreza que não tem a pretensão de exaurir tudo o que se discute sobre o tema. O que se pretende é mostrar que pobreza é muito mais do que a privação de renda, embora esta seja uma das suas âncoras importantes. Ser pobre, no entendimento esboçado no livro, ou socialmente excluído, é não ter uma renda mínima que seja capaz de cobrir itens essenciais de alimentação, higiene, moradia, deslocamento, lazer. Além disso, também ser analfabeto, não ter água encanada em casa, não ter saneamento, não ter serviço de coleta sistemática e programada de lixo. Assim, se alguém conseguir uma renda mínima para cobrir despesas essenciais, mas tiver que beber água contaminada, ter dejetos ou lixo por perto e não saber ler, escrever e fazer contas singelas, é um socialmente excluído. Vive sim em pobreza extrema. Ou os que dominam o País acreditam que sobreviver em promiscuidade, mas com alguma renda, é dignificante para alguem?

Nos países desenvolvidos, e mesmo em países ainda emergentes como Coréia do Sul, estudantes carentes recebem bolsas de estudo (scholarships) para avançarem. Mas as bolsas estão vinculadas ao desempenho escolar. Uma vez sendo contemplados com uma dessas bolsas, os estudantes precisam, não apenas freqüentar as aulas (não necessita ser educador para saber que a presença física no ambiente escolar não é garantia de aprendizado), mas também mostrarem bons desempenhos. Os governos querem ter a certeza de que aqueles jovens terão vida própria e contribuirão para o progresso do seu país.

Transferir renda para quem está em carência absoluta é uma medida de caridade. Nada mais do que isso. Ninguém se opõe em fazer caridade para quem precisa. Contudo, não se pode esperar que apenas isso possa construir um cenário em que, no futuro, os beneficiários sejam de fato cidadãos. Cidadania significa ter capacidade de discernir acerca do que é bom para si mesmo. Tomar conta da própria vida. Ter capacidade intelectual e física de desempenhar tarefas simples ou de diferentes níveis de complexidade. Dependendo de transferências de renda, de quem quer que seja, essa possibilidade fica definitivamente comprometida. Quem sobrevive de renda vinda de alguém fica dependente desse favor, e jamais optaria em contrariar seu “doador”. Na verdade o dono do dinheiro que vai para essa gente não é o governo, como os detentores atuais do poder tentam transparecer e confundir os incautos. Governo algum gera um centavo de renda. A fonte da receita que é utilizada para transferir renda, e para financiar uma das mais pesadas e ineficientes estruturas istrativas do planeta somos nós, que trabalhamos, produzimos e arcamos com uma carga de impostos diretos e indiretos de primeiro mundo e recebemos em troca um serviço de quarto mundo, se tivermos a infelicidade de dele depender.

Na medida em que se mantém um contingente elevado de pessoas sobrevivendo apenas de transferências de renda, estamos preparando para o futuro uma sociedade sem estrutura para gerenciar o seu próprio destino. Um programa assim não é estruturante. Não cria um tecido social capaz de gerar um circuito virtuoso de desenvolvimento. É imediatista. Não combate a pobreza, sob qualquer qualitativo, se é que pobreza pode ser adjetivada. Alivia-a no curtíssimo prazo. Mantida, formará um contingente de pessoas sem o exercício da cidadania. Marionetes manipuláveis por espertalhões que aparecem a cada dois anos, nos períodos de eleição, com um número desenhado e cobrando a fatura aos beneficiados. E se apresentam como donos do nosso suado dinheiro.

Não se constrói um País Progressista e Democrático desta forma. Pobreza se combate eliminando o analfabetismo, inclusive o funcional, incrementando a escolaridade média, investindo em infra-estrutura, com uma máquina de governo leve, com dirigentes competentes e constituída de funcionários contratados por concurso público impessoal. Criando-se ambiente confiável para os investidores e para os trabalhadores. Singelo assim!

Combate da Pobreza Extrema no Maranhão*.

José Lemos

Li nos jornais maranhenses que a Governadora finalmente itiu que existem pobres no Maranhão. Mais ainda, ite que existe um contingente de famílias vivendo na condição que o Governo Federal atual chama de “Pobreza Extrema”. Seriam pessoas que sobrevivem com renda média igual ou inferior a setenta reais por mês. No entanto o diagnóstico, tanto do Governo Federal como do Estado, continua equivocado, ao tratar a pobreza apenas como deficiência de renda monetária. Este é um indicador relevante, mas não é o único.

A discussão sobre as causas da pobreza é ampla, e envolve, inclusive, fundamentos ideológicos. Numa perspectiva extremamente simplista, que é a adotada pelos governos federal e estadual, a pobreza é apenas a deficiência de renda monetária. O rigor da apuração e da aferição da quantidade de pobres envolve outros indicadores. Numa perspectiva mais ampla, ser pobre significa ser carente de renda monetária, e de o aos serviços essenciais providos pelo estado. Serviços que pagamos muito caro no Brasil e temos o pior retorno entre Países recentemente pesquisados.

A educação é o mais relevante de todos eles. Pobreza, analfabetismo e baixa escolaridade, caminham em sinergia siamesa. Mas o não o aos serviços de saúde preventiva, como água de qualidade e saneamento, são igualmente importantes na caracterização da pobreza. Ele definirá, no presente, a necessidade futura de acionar os mecanismos curativos de saúde, terrivelmente deficientes neste País varonil.

Assim, ações de combate à pobreza, que privilegiem apenas o o à renda, que ainda por cima, provem do não trabalho, mas de transferências, não resolverão o problema. Entende-se que nos casos extremos, essas ações podem ser acionadas, apenas em caráter emergencial, jamais definitivo.

A carência de renda monetária, como todas as carências, tende a ser mais grave nas áreas rurais. O Maranhão é o estado brasileiro a deter o maior percentual de população rural do Brasil. Os agricultores familiares maranhenses, e brasileiros, geram uma renda que não entra, mas também não sai. É a “renda não monetária” que se afere a partir da produção agrícola que é destinada ao consumo da família. O cômputo dessa renda se faz remunerando-se a quantidade destinada ao auto-consumo familiar pelo preço de mercado.

Assim, em vez de transferir renda simplesmente, programas de estimulo à produção agrícola familiar, já resolveriam grande parte do problema da pobreza extrema. E que programas seriam estes? Começariam com a assistência técnica gratuita provida pelo Estado, mediante a contratação, por concurso público, de Engenheiros Agrônomos e Técnicos Agrícolas, principalmente, remunerando-os dignamente. Parte desses técnicos seria treinada para trabalhar na geração e na adaptação de tecnologias eficientes para os agricultores familiares. Os agricultores seriam treinados para produzirem a segurança alimentar (renda não monetária) de forma mais eficiente, mas também para produzirem bens transacionáveis. Parte da produção desses bens seria negociada com os programas de aquisição de alimentos por parte dos Governos Federal, Estadual e dos Municípios. Seria criado um Departamento de Economia Agrícola atrelado à Secretaria de Agricultura para prover informações atualizadas e fazer projeções dos mercados de commodities e de outros produtos, para que os agricultores familiares fossem inseridos nesses mercados.

Isto seguraria o êxodo rural, reduzindo a urbanização desenfreada das cidades de todos os portes. Assim, haveria menos pressão nesses centros no que diz respeito à infraestrutura urbana como moradias, transportes, dentre outras necessidades.

Paralelamente o Governo Maranhense precisa esforçar-se para reduzir drasticamente a atual taxa de analfabetismo, haja vista que em 180, dos 217 municípios maranhenses, supera 20%. No Maranhão, 71 municípios tem mais de 50% dos domicílios privados ao o à água encanada. Em apenas dezoito (18) municípios, menos de 50% dos domicílios tem o ao destino adequado de dejetos humanos. Este quadro precisa e pode mudar. No ado recente, de 2002 a 2006, foram feitas tentativas bem sucedidas que deram bons resultados. Basta haver um pouco de humildade para aprender com os bons exemplos deixados, mesmo que por adversários políticos. O bem estar coletivo deve ser o fundamento norteador de qualquer governo.

Combater pobreza extrema, apenas transferindo renda, não resolve o problema. Ao contrario, pode até mesmo agravá-lo, porque pode estimular as pessoas, sobretudo os jovens, à indolência. O que reduz a pobreza é a educação, o trabalho bem remunerado, e o o aos serviços sociais essenciais de saneamento, água encanada e coleta de lixo.

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*Artigo publicado no Jornal O Imparcial em 11/02/2012.