Por José Lemos
Quem não conhece bem a língua inglesa acha-a pobre. Credita-a um pragmatismo que dizem não existir nas latinas, mais ricas, segundo esta avaliação. Não bastasse esse conflito, ainda há desencontros entre o inglês falado na Inglaterra, que os ingleses acreditam mais puro do que aquele falado nos EUA, que acusam de ser imediatista.Polêmicas à parte, a língua que foi falada por Shakespeare e Abraham Lincoln tem duas palavras para distinguir um evento que, em português, tem apenas uma.
Em português falamos indistintamente aniversário para o dia do nosso nascimento, ou para a comemoração de um evento especial, como o dia em que assumimos um emprego, que trocamos o primeiro beijo com uma pessoa que amamos, ou mesmo, aquele em que pela primeira vez fizemos amor com ela. A primeira vez jamais esqueceremos. Se foi boa.
Em inglês o dia do nosso nascimento é o “birthday”. Qualquer outra comemoração que se dê a cada ano será chamada de “anniversary”. A língua inglesa dá assim uma conotação especialíssima para este dia que é um marco nas nossas vidas.
Nesta semana, que começa no dia 22, eu comemorarei mais um ano do dia do meu nascimento ou aniversário.Comemoramos o nosso aniversário na perspectiva de que alcançamos mais um ano de vida. Mas existe outro lado (talvez sombrio, em geral despercebido) desse evento, como se fosse duas faces de uma moeda. Só que, ao contrário das moedas que são utilizadas para fazer as famosas experimentações estatísticas, em que ambas as faces devem ter igual chance de ocorrer, na moeda da vida não é bem assim. A cada ano que avançamos, mais viciada a moeda da nossa vida ficará, no sentido de que menos tempo ainda teremos para viver.
Assim, se quando nascemos estávamos “programados”, por alguém sobrenatural e que não conhecemos, para viver cinquenta anos, ao celebramos com alegria o 48º aniversário, na verdade estamos “comemorando” os dois anos que nos restam. Duro? Como não sabemos disso (ainda bem), tocamos em frente às comemorações.
As Nações Unidas criaram em 1990 o conceito de desenvolvimento humano que estabelece que para atingi-lo as pessoas devem ter vida longa, “beber na fonte do saber”, e ter renda digna. Para calcular a longevidade a entidade utiliza o conceito de esperança de vida ao nascer. Assim, quem nasce no Brasil hoje, tem uma esperança de vida de aproximadamente setenta e quatro anos. Quem nasceu na minha geração, e em gerações anteriores, a esperança de vida é bem menor. Ela evolui com os avanços da medicina, com o advento de tecnologias que viabilizam o o a itens que possibilitam viver mais.
A esperança de vida ao nascer é apenas um referencial. Não é determinismo dos anos de vida que teremos por aqui. Ainda bem que é assim! Mas serve como referencia para fazermos algumas reflexões acerca da nossa breve agem por este belo planeta.Vamos fazer um exercício (talvez bobo e, por isso peço desculpas aos leitores) acerca da trajetória na vida de uma criança que nasça neste ano, exatamente no dia do meu aniversário. Ela terá uma esperança de vida de 74 anos. Caso itamos a trajetória da nossa vida como sendo equivalente à de uma curva, então nos primeiros anos a curva da vida crescerá a taxa crescente. Entendida como a formação da massa óssea, muscular, acúmulo de conhecimentos, carga hormonal. Por volta dos dezoito até os vinte anos esses elementos atingiriam o ápice. Entre os quatorze anos e esta idade os garotos não podem ver um joelho de uma garota, uma cruzada de pernas sob uma saia mais ousada, ou as curvas da professora que esteja tentando, de costas para a turma, demonstrar teoremas de trigonometria, expondo sobre bioquímica ou fotossíntese. As garotas são mais comedidas, mas também tem os seus lampejos. Talvez isso explique porque se “apaixonam” por ídolos, colecionam fotografias, soltem gritos histéricos quando estão diante deles…
A partir desta idade a curva da vida continua num crescendo, mas agora a taxa decrescente, de sorte que entre os 37 e os 40 anos deve atingir, em algum lugar, o ápice. Inflexiona nesse ponto e entra em fase descendente. Inicialmente em taxas baixas e depois mais aceleradas. Não sei se este exercício faz algum sentido. Mas se parássemos para pensar sobre isso, bem lá atrás, talvez cometêssemos menos bobagens na juventude. Quando somos jovens, extrapolamos. Acreditamos que a nossa vida é infinita. Vemos as pessoas grisalhas com certo desdém. As chamamos de velhas.
Não entendemos que, caso não morramos no meio do caminho, este será o nosso destino normal. Na fase descendente já devemos ter construído boa parte do que esperamos fazer na vida. Tanto em termos profissionais, como de vida afetiva. Isto não significa que não possamos recomeçar, ou aprimorar e reparar, na fase madura, o que construímos. Continuar fazendo projetos de longo prazo me parece ser um bom elixir para uma longevidade saudável. Indolência, vida sedentária, conformismo, acredito eu, são aceleradores do processo da degeneração senil, física e, portanto, orgânica. Aniversário é um bom dia para refletir sobre isso. Eu acho!