A Via Crucis do homem moderno

Jornal Pequeno – Editorial, sexta-feira, 6 de abril

Percorrer mentalmente, desde os séculos inferiores, o caminho da cruz; desde o pretório de Pilatos até o Monte Calvário, meditando sobre a Paixão de Cristo, talvez já não seja possível para o homem moderno. Porque já não há terras santas, se nas terras santas pessoas explodem pessoas em pedaços em nome de Deus.

As 14 estações da Via Sacra, um doloroso exercício de piedade cristã, não parece possível de cumprir num mundo em que não se pode falar de devoção, em que se substituem as migalhas de Lázaro por R$ 100 pagos para o incêndio de mendigos nas portas dos restaurantes.

A Palestina parece bem distante e é como um cemitério de corpos e ideias, um conclave de pessoas sem espírito em terrível peregrinação pelo egoísmo, o egocentrismo o “eu” que fala mais alto que o amor.

Está violado o santo sepulcro dessa terra em que os homens matam até por uma discussão de trânsito e outros se consagram no claustro da boa vida conquistada com a carne alheia, com pedaços da carne alheia. Jesus está caindo mais uma vez, porque o lugar dos pobres é a cadeia e nas agulhas dos ricos am todos os camelos, carregando o luxo obtido com o sacrifício dos semelhantes.

A terra dos bem-aventurados, mais de dois mil anos depois, é uma piscina de sangue, uma extensão do mal encarnado pelo príncipe das trevas. Aqui, homens são pagos para matar. E matam. Aqui, crianças recebem o salário do tráfico e da violência, armadas até os dentes para assaltar Papai Noel.

Não era esse o destino esperado dos filhos de Jerusalém.

A caminhada da cruz não foi feita sob os holofotes da TV, sob o registro dos chips e celulares. Mas o homem inventou a felicidade e fez infeliz a maioria dos homens. E Jesus está caindo diante do tráfico de mulheres, da venda de tendões humanos, da venda de órgãos vivos no submundo cruel da impiedade e da corrupção.

Vendem milagres, vendem orações, vendem salvação, mas não conseguem deter a marcha do homem moderno na direção da selvageria inominável que se cumpre sob o olhar dos satélites, sob a agem furiosa dos foguetes rumo a um Paraíso que ninguém sabe onde está. Há quem mate porque sente fome, mas há também quem mate porque seu time perdeu. Jesus está caindo, mais uma vez, sob o peso inável de uma cruz que o homem continua a construir.

Na primeira Estação, pense no por que foi condenado; na segunda Estação, carregue com amor sua própria cruz; na terceira Estação, faça que todo amor seja como amor de mãe; na quarta, caia sem derrubar ninguém à sua volta; na quinta, sinta que não está mais sozinho; na sexta, deixe que limpem o sofrimento do seu rosto.

Na sétima Estação deixe chorar por amor as mulheres; na oitava Estação, caia somente depois de levantar alguém que ama; na nona Estação, junte os que estão caindo ao seu lado, na décima, despoje-se da soberba e dos preconceitos que veste; na décima primeira, condene todas as formas de tortura.

Na última Estação, não faça Jesus sofrer depois de morto.