Contraste entre a Civilidade e o Dantesco: Japão e Brasil*

José Lemos

Naquela terrível sexta-feira, 11 de março de 2011, aconteceu o tsunami que destruiu toda a cidade de Sendai, localizada no Nordeste do Japão, aproximadamente trezentos quilômetros de Tóquio. Uma tragédia que matou milhares de pessoas, deixou outro tanto de desabrigados e desalojados e fulminou animais, de quem nunca se fala nesses momentos.

Transcorridos três  meses da catástrofe começaram os trabalhos de reconstrução da cidade. Por aquela ocasião os trabalhadores envolvidos encontraram pertences, ainda intactos, de pessoas que morreram ou tiveram que abandonar tudo para salvar a vida. Os objetos encontrados, inclusive dinheiro, foram todos devolvidos aos seus legítimos donos, através de agencias encarregadas de fazer a intermediação. As estimativas divulgadas por autoridades japonesas dão conta que mais de 90% do que foi encontrado havia chegado às mãos dos donos. O que faltava ser entregue devia-se ao fato de não terem sido reclamados, provavelmente, porque os proprietários pereceram e os parentes não apareceram para requerer. O fato relevante é que tudo que foi achado foi devolvido.

Ali foi demonstrado ao mundo um grande exemplo de civilidade, de honestidade, de respeito à dor alheia. Também ficou claro que aqueles que acharam os pertences alheios estavam conscientes de que não lhes pertenciam. Simples assim.

Sábado, três de dezembro de 2011, eu estava voltando para São Luis, capital do Maranhão, pela BR135. Por volta das dezesseis horas, ao chegarmos próximo ao Entroncamento, distante aproximadamente 100 quilômetros da capital, próximo à entrada que vai para a cidade de Itapecuru-MIrim, nos deparamos com uma fila enorme de carros.  A causa daquele congestionamento quilométrico, que impedia o fluxo de carros nas duas direções, era o tombamento de uma enorme carreta da Companhia Antártica que atravessava  toda a pista. Sobre o chão havia muitas garrafas quebradas.

Felizmente não se teve noticias da existência de vitimas. Contudo, presenciamos uma cena grotesca, ao vivo e à luz de um sol ainda muito forte àquela hora da tarde. Pessoas de diferentes posses se aproveitavam da situação para  subtrair, o que podiam, da carga do caminhão tombado. Saqueavam o que restou intacto. Adultos ofegantes, de diferentes idades, num frenesi indescritível, ajudados por crianças, que deveriam ser seus filhos, carregavam caixas que continham garrafas de cerveja, refrigerantes, colocando-os nos seus carros, ou nos ônibus de linha, que também estavam retidos à espera da liberação da pista.

Havia alguns policiais a quem perguntei se não podiam impedir aqueles atos de roubo explicito. Disseram simples, e candidamente, que se impedissem alguns de fazer, outros tomariam aquela atitude, que vai de encontro a qualquer fundamento de civilidade. Provavelmente o motorista daquele caminhão será penalizado pelo desaparecimento da carga. Ainda que não seja, caso a carga esteja protegida por seguro, alguém pagará aquela conta. O fato é que as pessoas estavam se apropriando de algo que não lhes pertenciam. Isso tem nome, chama-se furto.

Vendo aquela cena chocante, que poderia ter acontecido em qualquer lugar deste enorme Brasil, não podia deixar de comparar com o que aconteceu no Japão. Vivemos num país em  que o importante é levar vantagem em tudo. Um país que utiliza a máxima de que “achado não é roubado”. Um País que enaltece o mau-caratismo, a esperteza, a safadeza, o ar a perna nos outros para se dar bem. Claro que não pode dar certo!

Aqueles vândalos também votam e elegem os políticos que farão as leis e governarão o País, estados e municípios. Como terão condições de exigir postura ética por parte deles? Agindo daquela forma, inclusive “educando” os filhos em atos de roubo, como poderão esperar comportamento divergente de quem governa, de quem legisla ou dos membros do poder judiciário?

Agem como boa parte dos políticos brasileiros, que se posicionam próximo aos cofres públicos para fazerem fortuna pessoal de forma ilícita. Saqueiam-nos como aquela gente saqueava aquele caminhão Ai vale tudo. Superfaturamento de obras, licitações fraudulentas.

Agora a novidade são as “consultorias”. Instrumento que provoca multiplicação de patrimônios em tempo recorde de pessoas que não tem base cientifica ou treinamento adequado. Mas detém informações privilegiadas. “Coincidentemente” as “consultorias” são sempre prestadas para empresas que tem negócios com os governos (federal, estaduais ou municipais). Os pagamentos daquelas “consultorias” claro que não saem do faturamento das empresas, mas da sobrevalorização que imporão aos contratos que cumprirão com os governos, como decorrência das “consultorias”. Ou seja, nós que pagamos impostos é que arcaremos com o ônus. Lindo!

Num país assim, em que alguns apenas precisam de uma oportunidade para mostrar o seu verdadeiro caráter. Que futuro podemos esperar de  País em que os filhos aprendem a roubar  com os pais?.  O que nos espera no advir?

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*Artigo Publicado no Jornal O Imparcial do dia 10/12/2011.