“Combater” ou Conviver com a Seca?

José Lemos

O primeiro o para resolver um problema é conhecer-lhe a essência e as suas causas. Quando isso não acontece, ficamos circulando em seu entorno, buscando-lhe arremedos paliativos que, obviamente, não resolverão. A tendência é a sua perpetuação, agravando as suas implicações com o ar do tempo. A ocorrência de secas no Nordeste é um desses problemas para o qual nunca se buscou soluções definitivas. Não convinha, como não convém, que elas aconteçam. Quando não existir mais flagelados pelas secas, seca (o trocadilho é proposital) a fértil fonte de sobrevivência política de muita “gente boa”. E não são apenas aqueles velhos conhecidos “coronéis” do Nordeste. Eles continuam firmes, mas agora convivendo (quem haveria de convir!?) com muitos daqueles que no ado, nem tão remoto assim (coisa de pouco mais de dez anos), lhes ridicularizavam, adjetivando-os com expressões impublicáveis. A “safra” está se renovando e agora já não mais fazem questão de distinguir gregos de troianos. Se é que me faço entender.

Nestes dois anos os registros de pluviosidade no Nordeste semi-árido, incluindo ao menos quinze municípios maranhenses, sinalizam que estamos diante de uma das maiores, se não a maior seca dos últimos cinqüenta anos. A paisagem que se observa em boa parte deste sofrido pedaço de Brasil é de calamidade. Mortandade de animais por falta de alimentos e de água. As lavouras não produziram ano ado. Não produzirão neste ano.

Uma cena que não é novidade para quem conhece o Brasil. Ela se junta às calamidades das avalanches do Rio de Janeiro, que desabriga, ou desaloja, centenas de famílias e mata outro tanto de pessoas, por excesso de chuvas. Tragédias anunciadas em que governantes nos níveis federal, estadual e municipal, lá e cá, apenas buscam soluções paliativas. Nada de ir fundo nas causas, nem de buscar soluções definitivas. Li na imprensa que, por ocasião da avalanche no Rio de Janeiro, o Governador assistia nos EUA, descontraidamente com o filhote, a uma partida de basquetebol. Ninguém é de ferro! A Presidente, em plena crise no Rio de Janeiro, direto do Vaticano, atribuiu a culpa pelo desastre às populações que insistem em morar naquelas áreas de risco. Guerrilheira como exaltou o seu companheiro de partido, anti-capitalista (como dizia quando era conveniente nos tempos das vacas magras), atribuiu àqueles, que não tem alternativa de morar em lugar mais seguro e digno, a culpa por perecerem ou verem os seus parentes morrerem soterrados. Na cabeça dela, do Governador, dos Prefeitos, as pessoas estão ali porque querem. Estranho querer!

A Presidente veio ao Nordeste lançar o plano de “combate à seca”. Como a seca é um fenômeno meteorológico, que consiste na má distribuição espacial, temporal e quantitativa de chuvas, provocado por uma complexa sinergia que envolve movimentos de marés, deslocamentos de massas de ar frio e seco, dentre outros, fica difícil imaginar como algum terráqueo (mesmo com os poderes sobrenaturais que ela acredita ter) poderia “combater” semelhante combinação de fatores físicos e naturais. Com ela vieram o Ministro da Integração Nacional, governadores do Nordeste (não vi a Governadora do Maranhão, talvez porque por aqui não haja seca e tudo esteja correndo às mil maravilhas) e, pasmem o Presidente do Senado. Ele mesmo. O “grande criador de gado” das Alagoas, figura carimbada do coronelismo regional. Sentado à direita da deusa-mãe, a a intransigente com “mal-feitorias” que, segundo o que a imprensa divulga, costuma tratar com dedo em riste os seus subalternos-bajuladores (inclusos membros do Congresso). O Presidente do Senado, outrora desafeto, caprichava na pose concentrado no texto em que mais tarde faria afagos ao ego das empregadas domésticas, em cadeia nacional de televisão pago por nós que trabalhamos duro para sustentar as “bondades” dessa gente. Discurso de bom moço, que sempre se preocupou com causas nobres. Não poderia deixar dúvidas nas cabeças dos telespectadores de que a PEC das empregadas domésticas apenas ou porque ele esteve firme, defendendo-lhes os interesses contra patrões escravagistas (na linguagem dele) da classe média. Todos juntos em Fortaleza, numa comitiva cujo deslocamento e hospedagem devem ter custado bem mais do que o volume dos recursos anunciados. A presidente, ao lado de todos com a aparência séria e contrita, como convinha ao momento, anunciou como principal medida de “combate à seca” a utilização dos outrora execrados caminhões-pipas.

Não se falou em medidas estruturantes, ou em ações que resolvam, em definitivo, o problema. As Bibliotecas das Escolas de Agronomia do Nordeste e da EMBRAPA estão abarrotadas de trabalhos mostrando alternativas de produção agrícola com escassez pluviométrica. Podem-se ainda fomentar atividades não agrícolas geradoras de ocupação e renda em áreas com deficiência hídrica. Mas disso não se cogita. Melhor “combater a seca”, via carros-pipas. Prá quem “acabou com a pobreza extrema” transferindo ‘setentinha’ de renda, será moleza “eliminar a seca” via água de carro-pipa. Os Nordestinos, e Celso Furtado em seu leito tumular, podem ficar tranqüilos. Os ainda vivos não precisarão mais emigrar para os estados do Norte. O paraíso agora é aqui!

Combater ou Aliviar a Pobreza

José Lemos

A Presidente acaba de anunciar mais um pacote de medidas que, na sua retórica, irá eliminar a pobreza extrema no Brasil. Segundo os padrões oficiais, afetariam as pessoas cuja renda pessoal mensal é igual ou inferior a setenta reais, ou aproximadamente dois reais e trinta centavos por dia. Como os números apresentados no anuncio das medidas pretendem-se rigorosos, depreende-se, por simetria de derivada que, quem tiver dois reais e cinqüenta centavos de renda diária não é pobre extremo. Óbvio que esta forma de aferição de pobreza é inadequada e não se sustenta mesmo numa análise superficial.

Pobreza é um conceito bem mais complexo, e não tão trivial ao ponto de ser eliminada com a simples transferência de renda. Qualquer que seja a magnitude dessa transferência. Pior ainda quando o valor sequer cobre metade do custo de uma cesta de componentes minimamente essenciais como são os alimentos, sobretudo num ambiente de recrudescimento inflacionário em que vivemos, e que é fortemente influenciado pelos preços desses itens. A literatura que trata do tema é vasta, diversificada, controvertida e profunda. Nenhum analista conhecedor dessa literatura que aborda com profundidade teórica e empírica a chaga social chamada pobreza, e que não tenha cargo ou comprometimento com o fundamentalismo ideológico que norteia boa parte da ampla e inimaginável barcaça política que dá sustentação à istração atual, ousaria respaldar semelhante agressão aos fundamentos técnicos mais elementares desse tema.

No meu livro, recém lançado na sua Terceira Edição, depois de fazer uma longa pesquisa na literatura pertinente, e atualizada, acerca deste tema complexo, mas não apenas isso, através da vivencia pessoal em trabalhos de pesquisa viajando pelo Brasil e exterior, ousei esboçar um conceito para pobreza que não tem a pretensão de exaurir tudo o que se discute sobre o tema. O que se pretende é mostrar que pobreza é muito mais do que a privação de renda, embora esta seja uma das suas âncoras importantes. Ser pobre, no entendimento esboçado no livro, ou socialmente excluído, é não ter uma renda mínima que seja capaz de cobrir itens essenciais de alimentação, higiene, moradia, deslocamento, lazer. Além disso, também ser analfabeto, não ter água encanada em casa, não ter saneamento, não ter serviço de coleta sistemática e programada de lixo. Assim, se alguém conseguir uma renda mínima para cobrir despesas essenciais, mas tiver que beber água contaminada, ter dejetos ou lixo por perto e não saber ler, escrever e fazer contas singelas, é um socialmente excluído. Vive sim em pobreza extrema. Ou os que dominam o País acreditam que sobreviver em promiscuidade, mas com alguma renda, é dignificante para alguem?

Nos países desenvolvidos, e mesmo em países ainda emergentes como Coréia do Sul, estudantes carentes recebem bolsas de estudo (scholarships) para avançarem. Mas as bolsas estão vinculadas ao desempenho escolar. Uma vez sendo contemplados com uma dessas bolsas, os estudantes precisam, não apenas freqüentar as aulas (não necessita ser educador para saber que a presença física no ambiente escolar não é garantia de aprendizado), mas também mostrarem bons desempenhos. Os governos querem ter a certeza de que aqueles jovens terão vida própria e contribuirão para o progresso do seu país.

Transferir renda para quem está em carência absoluta é uma medida de caridade. Nada mais do que isso. Ninguém se opõe em fazer caridade para quem precisa. Contudo, não se pode esperar que apenas isso possa construir um cenário em que, no futuro, os beneficiários sejam de fato cidadãos. Cidadania significa ter capacidade de discernir acerca do que é bom para si mesmo. Tomar conta da própria vida. Ter capacidade intelectual e física de desempenhar tarefas simples ou de diferentes níveis de complexidade. Dependendo de transferências de renda, de quem quer que seja, essa possibilidade fica definitivamente comprometida. Quem sobrevive de renda vinda de alguém fica dependente desse favor, e jamais optaria em contrariar seu “doador”. Na verdade o dono do dinheiro que vai para essa gente não é o governo, como os detentores atuais do poder tentam transparecer e confundir os incautos. Governo algum gera um centavo de renda. A fonte da receita que é utilizada para transferir renda, e para financiar uma das mais pesadas e ineficientes estruturas istrativas do planeta somos nós, que trabalhamos, produzimos e arcamos com uma carga de impostos diretos e indiretos de primeiro mundo e recebemos em troca um serviço de quarto mundo, se tivermos a infelicidade de dele depender.

Na medida em que se mantém um contingente elevado de pessoas sobrevivendo apenas de transferências de renda, estamos preparando para o futuro uma sociedade sem estrutura para gerenciar o seu próprio destino. Um programa assim não é estruturante. Não cria um tecido social capaz de gerar um circuito virtuoso de desenvolvimento. É imediatista. Não combate a pobreza, sob qualquer qualitativo, se é que pobreza pode ser adjetivada. Alivia-a no curtíssimo prazo. Mantida, formará um contingente de pessoas sem o exercício da cidadania. Marionetes manipuláveis por espertalhões que aparecem a cada dois anos, nos períodos de eleição, com um número desenhado e cobrando a fatura aos beneficiados. E se apresentam como donos do nosso suado dinheiro.

Não se constrói um País Progressista e Democrático desta forma. Pobreza se combate eliminando o analfabetismo, inclusive o funcional, incrementando a escolaridade média, investindo em infra-estrutura, com uma máquina de governo leve, com dirigentes competentes e constituída de funcionários contratados por concurso público impessoal. Criando-se ambiente confiável para os investidores e para os trabalhadores. Singelo assim!

Maranhão e Mandioca: Tudo a Ver*

José Lemos

Devido aos problemas decorrentes da escassez pluviométrica que castiga todo o Nordeste semi-árido desde o ano ado, e neste ano as projeções de entidades confiáveis que fazem prospecção de pluviosidade não são muito satisfatórias, as atividades agrícolas nesta região estão experimentando uma das suas maiores retrações dos últimos trinta anos.

Praticamente todos os produtos agrícolas vêm experimentando elevação de preços no varejo devido à escassez. Dentre esses produtos, a mandioca experimenta preços jamais vistos, inclusive em nível dos agricultores. A Bahia, que é um dos principais produtores da região teve retração expressiva de área colhida. Idênticas experiências devastadoras tiveram os demais estados da região onde prevalecem as maiores áreas de semi-árido.

Por esta razão, vejam só, a prosaica farinha de mandioca chega a ser vendida, neste momento, por até dez reais (R$10,00) o quilograma. E a farinha que se compra no mercado não tem o sabor nem é crocante como a farinha d’água feita no Maranhão. Agricultores de São Paulo, que não tem tradição no cultivo da preciosa raiz, estão incrementando as áreas e buscando cultivares de ciclo curto e com maiores rendimentos, para tirarem proveito da situação inusitada. Normalmente o produto mais nobre da mandioca é a fécula. Neste momento a farinha, mesmo essa de qualidade discutível, está com preço bem mais expressivo do que esse outro derivado.

Há um estado no Brasil, talvez o único, em que todos os municípios cultivam a mandioca. Este estado chama-se Maranhão. Em todos os seus duzentos e dezessete municípios encontraremos roçados de mandioca. No nosso estado a cultura funciona como uma espécie de poupança enterrada. Literalmente. Os agricultores mantêm a lavoura e, em momentos de dificuldade, desenterram-na e a transformam em farinha. Com isso conseguem, além de alimento para as famílias, amealhar algum dinheiro.

Não obstante a importância social que esta cultura tem para o estado, o Maranhão patina no seu cultivo. Enquanto no Paraná os agricultores conseguem produzir em média vinte e cinco toneladas por hectare, no nosso estado a média não chega a oito (8) toneladas por hectare. Valor que já se mantém por um longo período de tempo. Contudo, em 1940 o IBGE registra rendimento médio da mandioca no Maranhão de vinte toneladas por hectare. Ora se ha mais de setenta anos era possível obter rendimento tão expressivo, por que em pleno novo milênio ainda produzimos menos de dez toneladas por hectare?

A resposta está no descaso a que foi entregue a agricultura no Maranhão, sobretudo a praticada nas unidades agrícolas familiares. A Empresa Maranhense de Pesquisa Agropecuária (EMAPA), junto com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) foram extintas em 1998. De lá prá cá, apenas entre os anos de 2002 e 2006 foi dada, de fato, prioridade àquelas atividades no Estado, com a recriação da Secretaria de Agricultura que houvera desaparecido junto com aquelas empresas, e com a criação das Casas do Agricultor Familiar (CAF). Naqueles cinco anos o Maranhão conseguiu ter o a um maior volume de contratos (mais famílias) e de recursos do PRONAF e, como conseqüência, a produção de alimentos, inclusive a da mandioca, teve uma revigorada.

Naquele período do governo de José Reinaldo, com muita dificuldade, foi aprovado no Senado Federal, com os votos contrários de todos os senadores maranhenses, eleitos ou não pelo estado, o Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão (PRODIM). Programa que tinha como finalidade mitigar pobreza via ações estruturantes e não assistencialistas. Por aquele programa, por exemplo, havia a possibilidade dos agricultores, reunidos em associações legal e legitimamente constituídas, dentre outras ações estruturantes, demandarem uma Unidade Beneficiadora de Mandioca. Agroindústria familiar que foi desenhada observando fundamentos de higiene, destino adequado para efluentes e que produzia com eficiência técnica a fécula, farinha d’água e/ou seca, de qualidade. O projeto viabilizava, além da produção, o ensacamento em embalagens que deveriam ter um selo de garantia de qualidade. Seria uma forma dos agricultores familiares maranhenses conseguirem aproveitar as vantagens comparativas e competitivas que o nosso estado tem na produção dessa importante matéria prima. Caso o PRODIM tivesse tido continuidade depois de 2006, os agricultores maranhenses estariam tirando proveito desses preços altamente remuneradores. O Maranhão poderia estar numa posição privilegiada tendo as nossas farinhas expostas nas gôndolas dos supermercados do Nordeste e do Brasil, exibindo para todos a marca que muito nos orgulharia “Made in Maranhão”. Mas isso, por enquanto, continua sendo um sonho que o Governador Zé Reinaldo teve naquele glorioso período de um Governo que provocou inflexão positiva em todos os indicadores sociais e econômicos do Maranhão. Tempos que almejamos voltarem logo. Chega de pesadelos!

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*Artigo publicado em 9 de março de 2013.

O Brasil precisa conhecer o Maranhão

Por: José Lemos*

O professor Marco Villa tem mostrado expertise em assuntos maranhenses. No último dia de Natal publicou, no jornal “O Globo”, um artigo que elucida, com muita propriedade, algumas das mazelas atuais do Maranhão. Dificuldades que se agravaram desde que os ministros do TSE, em seção controvertida do dia 17 abril de 2009, depam um governador eleito por votação popular expressiva. E ainda colocaram no seu lugar quem havia perdido o pleito. Aquela decisão colabora para a atual situação de estado mais carente. Posição que o Maranhão havia deixado em 2005, e manteve até o ultimo ano (2008) do Governo que foi apeado.

Os brasileiros talvez desconheçam, mas o Maranhão é, provavelmente, o estado com a maior vocação agrícola do Brasil. Nas suas fronteiras se encontram quase todos os biomas brasileiros. Amazônia, Cerrados, Pantanal, Litoral e Sertão. Há uma Bacia hidrográfica em que prevalecem rios caudalosos e perenes. Ainda que, pelo menos quinze municípios onde sobrevivem aproximadamente um milhão de maranhenses, tenham características técnicas de semiárido, que o governo federal insiste em desconhecer, no restante do estado as chuvas, em geral, se distribuem com normalidade. A relação chuva que cai e evaporação do solo e transpiração das plantas (balanço hídrico), costuma não ser problemática. Os solos predominantes no estado não são dos melhores, mas são agricultáveis e, com tecnologia adequada, podem surpreender.

Talvez o setor em que o Maranhão tem alguma vantagem comparativa ou competitiva, e chances de deslanchar, é o agrícola. Não obstante essa evidencia o grupo que governou o estado entre 1995 e março de 2002 não viu o menor problema de retirar, no inicio de 1998, a Secretaria de Agricultura do primeiro escalão do organograma istrativo do estado, colocando-a como penduricalho de uma “Gerência de Planejamento”. Uma estrutura istrativa jamais experimentada por qualquer outro estado. Não poderia ser outro o resultado. O Maranhão que, em 1982 produziu 3.584 gramas diárias per capita num área recorde de alimentos (arroz, feijão, mandioca e milho), em 1998 chegou ao fundo do poço, produzindo apenas 678 gramas diárias por pessoa. Em 2001 o Maranhão era recordista negativo em todos os indicadores sociais e econômicos.

Em abril de 2002, assumiu um governo alinhado à família dominante, mas que com ela romperia em 2004. Uma das providencias daquele novo governo foi acabar com as Gerências, resgatando as secretarias, dentre elas a de Agricultura. O estado voltou a prestar assistência técnica aos agricultores familiares, o que não podia fazer antes porque não tinha gente qualificada nos seus quadros. Tanto que em 1999 o Maranhão teve a menor captação de Pronaf. Em 2006, livre daquele grupo poderoso, chegou a ter a segunda maior captação de Pronaf no Nordeste. A produção de alimentos voltou a deslanchar.

As oposições ao grupo que domina o estado há quase cinquenta anos, finalmente conseguiram coesão e elegeram, em 2006, o governador que deu continuidade àquele breve período de progressos no estado até ser apeado em 2009. Aqueles que haviam deixado o estado com os piores indicadores em 2001, voltaram ao poder em abril daquele ano.

Ato contínuo, o Maranhão entrou em regressão. O PIB per capita, que crescera bastante entre 2003 e 2008, entrou em declínio. Com efeito, entre 2002 e 2008 o PIB per capita maranhense cresceu a uma taxa media anual de 21,2%. Tomando como referencia o ano de 2008, último do governo apeado por decisão jurídica, comparando com os resultados de 2010, o crescimento médio do PIB per capita neste interstício foi de apenas 6,2% ao ano. Voltou a ser o menor do Brasil em 2010 (R$ 6.888,60). Valor que equivalia a apenas 1,1 salário mínimo daquele ano, a 35% da média brasileira e a 72% da média do Nordeste, a menor do Brasil. Em termos de poder de compra, o PIB per capita maranhense de 2010 praticamente estagnou em valores de 2008.

Dos 217 municípios maranhenses, em apenas vinte e três (incluindo a capital), o PIB médio é maior do que este valor. Nesses municípios vivem 1.710.286 pessoas (26%), para onde vão 56% das riquezas do estado. Nos demais 194 municípios, onde sobrevivem 4.859.397 pessoas (74%), o PIB por pessoa é menor do que a média estadual. Nesses lugares o valor do PIB anual per capita é de apenas R$ 4.137,93 (sessenta por cento da média estadual e 68% do salário mínimo). Nesses municípios que são os mais agrícolas do estado, pois neles as populações rurais superam as urbanas, a taxa de analfabetismo da população maior de quinze anos é de 25,6% e a escolaridade média é de apenas quatro anos (analfabetismo funcional). Algo como 75% dessa população sobrevive em domicílios cuja renda total de todos os seus membros está contida no intervalo de zero a dois salários mínimos (0,3 salários mínimos por pessoa). Pobreza absoluta.

Todos nós sabemos da influencia que o poderoso chefe do clã maranhense exerce no governo federal nos últimos dez anos, ao ponto de deter atualmente dois Ministérios sob sua influência. Isso, contudo, não sensibilizou o presidente que ficou oito (8) anos no poder, nem a que assumiu em 2010. O Maranhão continua sendo o “Patinho Feio” do País, a despeito de ter proporcionado a maior votação proporcional para a atual e para o Presidente anterior. Os brasileiros precisam conhecer o Maranhão, um estado rico com população empobrecida, que é tratado como capitania hereditária sob os olhares coniventes, complacentes e ivos de quem governa o País. Até Quando?

*Professor associado na Universidade Federal do Ceará. Autor do livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de um País Assimetricamente Pobre”, já na terceira edição.
Site: http://www.lemos.pro.br
E-mail: [email protected].

Navegar é Preciso e Fascinante*

José Lemos

No texto de hoje vou me permitir uma variante de uma expressão de navegadores portugueses antigos (“navegar é preciso, viver não é preciso”), fascinados pelas aventuras das viagens marítimas e que Fernando Pessoa transformou numa belíssima poesia. A interpretação que me permito é a de que a vida é imprevisível. Isto porque a nossa trajetória neste planeta é marcada por fortes componentes aleatórios. Há indefinições no que pode nos ocorrer durante a nossa breve estada por aqui. Planos bem traçados podem esbarrar em imprevistos desagradáveis. Não é por acaso que os cristãos que falam a língua portuguesa quase sempre usam a expressão “se Deus quiser”, quando se referem a algo que acontecerá no porvir.

O termo técnico “Esperança de Vida ao Nascer” tenta aferir o nosso tempo médio de vida. Sem entrar em aspectos técnicos enfadonhos, apenas lembro que esperança matemática é a tradicional média aritmética. A esperança de vida ao nascer associa aos anos de vida, em determinado local, uma probabilidade. Apenas aos eventos aleatórios associam-se probabilidades. Assim, ao nascer, cada um de nós tem uma probabilidade de viver determinado número de anos. Não há garantias de que aqueles anos sejam vividos. Por isso o termo “expectativa de vida ao nascer”. O ambiente em que vivemos, o estilo de vida, as posses, o o aos serviços essenciais, em que a qualidade da moradia é um dos mais relevantes definidores, são alguns dos elementos que ajudam para se ter uma vida mais longa, saudável e ter alguma chance de viver alguns anos a mais, ou acima da média no ambiente em que escolhemos para morar.

Sendo aleatória, a vida pode nos aprontar acontecimentos imprevisíveis e imponderáveis. Eventos, que imaginamos somente acontecerem nas nossas vizinhanças podem bater na nossa porta e tornar-se visita inconveniente. É provável que um dia sejamos surpreendidos por situações indesejadas. Quase sempre não estamos preparados para elas.

Nós, seres humanos, quase sempre, apenas valorizamos a vida, na forma que deveríamos, quando nos deparamos com fatos que acreditávamos que jamais chegassem à nossa casa, à nossa família, ou em nós mesmos. Nesses momentos partimos para a reflexão no que provavelmente acreditamos ter feito de errado. Tentamos buscar explicações que talvez não encontremos, justamente porque imaginamos que sempre fizemos tudo corretamente. Este parece ser o comportamento normal da espécie humana.

Se a vida é assim, tão incerta, por que então não aproveitá-la em plenitude? Por que não viver intensamente cada minuto, como se fosse o último? Talvez observando as coisas simples possamos encontrar um viver com mais qualidade. Que tal o acordar cedo e sair por ai caminhando, ou mesmo correndo, ouvindo as primeiras manifestações de vida no canto dos pássaros, nos primeiros raios de sol, no orvalho sobre as folhagens das ruas? Por que não olhar em volta e cumprimentar as pessoas? Por que não apreciar o cair da chuva e sentir o odor de terra molhada, seguramente um dos melhores aromas disponibilizados graciosamente para nós pela mãe natureza? Por que não chegar ao trabalho e cumprimentar a cada um dos colegas, sobretudo aqueles que exercem as funções mais humildes? Por que não acariciar as pessoas que nos amam, e que nós amamos, e dizer-lhes palavras afetuosas?

A minha mãe, todas as manhãs, ao levantar-se, sempre agradecia a Deus, por mais um dia de vida. Eu, ainda criança-adolescente, não entendia bem o porquê daquele ritual diário daquela mulher que foi o principal pilar na estrutura moral e ética da nossa família. Mal eu sabia que ali estava uma, dentre tantas, das suas sabedorias aprendidas e apreendidas longe das escolas, mas com os ensinamentos da própria vida que lhe foi longa.

Navegar é fascinante, desafiador e é uma das nossas missões aqui na terra. Enveredar por caminhos seguros, ainda que mais longos, é um desafio. Em nossa trajetória por este planeta às vezes somos tentados a trilhar por atalhos para atingir objetivos. Será que vale a pena atingir um objetivo rapidamente? As buscas frenéticas de riqueza material e de poder seriam boas metas a serem perseguidas? Os meios justificam os fins? Ainda que acreditemos que os fins sejam nobres?

Desenhamos uma trajetória para a nossa caminhada por aqui e, no decorrer do percurso podemos ser surpreendidos por um ataque cardíaco; por um acidente fatal que nos ceifa a vida, ou nos deixa com sequelas definitivas; por um câncer… Então não devemos fazer projetos para a nossa vida? Claro que devemos. Contudo, precisamos estar atentos e preparados para as armadilhas que podem se nos aparecer. Ficar antenados porque pode ser que não tenhamos tempo de pedir desculpas para pessoas que magoamos com atitudes, palavras ou gestos. Devemos, urgentemente, pedir perdão para quem magoamos. Falar “eu te amo” para as pessoas que amamos. Tentar fazer as pazes com pessoas que acreditamos serem nossos inimigos. Precisamos e devemos ter em mente que navegar, no sentido figurado ou literal, sempre será preciso, e é uma das nossas muitas missões na terra. Mas também devemos ter a sabedoria milenar de que viver não é preciso. É incerto, aleatório!

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*Artigo publicado no Jornal O Imparcial em 3/11/2012

Um Brasil Desigual*

José Lemos

No Primeiro Capitulo do nosso livro “Mapa da Exclusão Social no Brasil: Radiografia de um País Assimetricamente Pobre”, publicado pelo Banco do Nordeste do Brasil, na sua Terceira Edição já liberada em CD, eu escrevo o seguinte parágrafo:

“Dentre as muitas características da sociedade brasileira, a mais marcante é, sem sombra de dúvidas, o contraste no que se refere aos indicadores sociais e econômicos que se distribuem de forma bastante assimétrica entre as regiões, estados, bem como dentro das regiões e dos estados. Isto faz do Brasil ainda ser um dos países mais desiguais do mundo. Concomitantemente ao grande surto de industrialização experimentado pela economia brasileira a partir dos anos cinqüenta, principalmente, e com o incremento da urbanização da população do País, sobretudo nas três últimas décadas do século ado, observa-se uma insistente manutenção dos níveis de desigualdades e de exclusão social, tanto nas suas áreas urbanas como nas suas áreas rurais”.

Nesta semana as Nações Unidas liberaram mais um dos seus relatórios que corroboram com o parágrafo acima quando mostra, através de algumas estatísticas, que o Brasil é o quarto país mais desigual da America Latina.

Com base nas informações que mostramos no livro podemos dizer que aquela entidade foi até benevolente com a real situação dos brasileiros nesta última década, não obstante tenha havido um crescimento significativo da renda, mas a sua distribuição continua dramaticamente desigual. Mas não apenas a renda se distribui de forma assimétrica no Brasil. Os serviços essenciais, aqueles que deveriam ser providos pelo Estado brasileiro, provocam um verdadeiro apartheid nesta imensidão de País.

Neste texto tentarei mostrar algumas das razões que corroboram com as evidencias mostradas no Relatório das Nações Unidas, alem de tentar justificar a assertiva de que a entidade acabou tendo muito boa vontade com o Brasil.

Em 2000, a região Sudeste se apropriava de 57,8% do PIB agregado do País. Em 2009, essa região se apropriava de 55,3%. Portanto, pode-se dizer que, não houve mudança significativa nessa apropriação. A região Norte se apropriava de 4,6% do PIB do País em 2000 e de 5,0% em 2009. O Nordeste, por sua vez, tinha participação de 13,1% do PIB do País em 2000 e de 13,5% em 2009. O Centroeste saiu de uma participação de 7% em 2000 para 10% em 2009, sendo, portanto, a região que se apropriou da pequena regressão que houve na participação do Sudeste na riqueza do Brasil nesta década.

Das evidencias acima, depreende-se que as duas regiões mais carentes do País, Norte e Nordeste, ficaram onde sempre estiveram durante a primeira década deste século, no que concerne ao o à riqueza gerada no País: Em posição marginal ou periférica.

Por outro lado, em 2009 o PIB per capita anual do Brasil era de R$16.917,86, pouco mais de três salários mínimos. Nos 5.564 municípios brasileiros contabilizados pelo IBGE, em torno deste valor gravitavam valores tão dispares como R$1.929,97 anuais em São Vicente de Ferrer no Maranhão e R$360.815,83 por ano em São Francisco do Conde, na Bahia. Em apenas 815 municípios o PIB per capita era superior à média nacional.

No que concerne à população que sobrevivia em domicílios cuja renda per capita domiciliar era de no máximo meio salário mínimo em 2010, observa-se mais um dos contrastes gritantes do Brasil. Estima-se que 37% da população brasileira sobrevivia sob essas condições em 2010. No Norte o percentual era de 55,2% e, no Nordeste, a tragédia ainda é pior: 59,3% dos domicílios tem renda per capita daquele tamanho.

 

O percentual de analfabetos no Brasil em 2010 era de 9,6%. No Norte era de 11,2% e no Nordeste de 19,1%. A população privada de água encanada no Brasil, em 2010, era de 17,1%. Na região Norte ascendia para 45,5%, e no Nordeste era de 23,4%. A população brasileira privada de o ao saneamento minimamente adequado (esgotamento ou fossas séptica) em 2010 era de 37,9% contra 67,2% no Norte e 54,8% no Nordeste.

Assim, o Brasil permanece desigual, tanto na distribuição dos serviços essenciais como da renda, o que mostra que as Nações Unidas foram bastante condescendentes no seu relatório com as reais condições do País. Vivemos num país com enorme apartação social e de renda, não obstante o discurso oficial que tenta mostrar o contrário.

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*Artigo publicado no Jornal O Imparcial em 25/08/2012

Classe C: A Arte de “Cair Prá Cima”*

José Lemos*

Ainda adolescente, concluindo o Curso Colegial, ou Cientifico (nível médio como se diz hoje) no glorioso Liceu Maranhense, eu estava num ime acerca do meu futuro. Gostaria de fazer vestibular para um dos cursos que então eram oferecidos pelas Universidades Maranhenses: Medicina, Farmácia, Odontologia ou Direito.

Qualquer daqueles cursos estava muito distante da minha realidade, pois implicava em mais cinco ou seis anos como dependente de uma renda muito escassa da nossa família. Alem disso, a minha vocação maior era para estudar matemática, física e química. Gostava de biologia, mas não o bastante para dedicar-me a um curso que tivesse naquela disciplina a sua base de sustentação: casos de Medicina e Odontologia.

Eu tinha conseguido comprar, depois de reunir economias dando aulas de matemática, o Livro do Sinésio de Farias (“Curso de Álgebra”). Livro pesado. Literalmente, e em conteúdo. Resolver seus exercícios era objetivo de quem queria dar vôos elevados. Eu os queria, mas esbarrava nas parcas posses familiar.

Sonhei com a coleção, em quatro volumes de livros de Física, do Dalton Gonçalves: Dois volumes de Mecânica, um de Ótica e outro de Eletricidade. Pedi para o meu único irmão, espécie de segundo pai, aquela coleção. Fiz sem muita convicção, é certo, porque era muito cara. Qual não foi a minha grata surpresa quando recebi das mãos dele, os quatro volumes daqueles livros que “faziam a cabeça” dos jovens da minha geração. Aquele foi um dos melhores presentes que ganhei na minha vida.

Aprendi, com o volume dois daquela coleção (Dinâmica), um dos fundamentos que nos ajudam a entender os fenômenos naturais: A “Lei Newtoniana da Gravitação Universal”. A lei recebeu o nome do seu criador, o físico inglês Isaac Newton.

Por essa lei apreende-se que a atração gravitacional da terra atribui peso a todos os objetos. A implicação deste fenômeno é que, qualquer objeto sendo solto de uma determinada altura, sempre será atraído pela terra, e se precipitará em sua direção.

Por causa dela, a terra, e os outros planetas, se mantêm nas suas respectivas órbitas em torno do sol, e a lua permanece em órbita em volta do nosso planeta. Ela é também a responsável pela formação das marés e de tantos outros fenômenos naturais.

E tudo nós demonstrávamos com equações bem conhecidas de quem queria fazer vestibular para entrar num bom curso universitário. Qualquer estudante de nível médio, independente da posição que estivesse no “abcdário” social e econômico, era capaz de enveredar por um mundo daquele, que era um misto de sonhos, magia e realidade. Isto porque as escolas públicas, onde estudávamos, tinham qualidade.

Nada disso se aplica agora, porque os atuais detentores do poder, além de inventores das cotas, do politicamente correto, de ter Ministério da Educação que produz cartilhas que ensinam escrever, e falar errado, também resolveram contrariar a Lei da Gravidade. Agora também se “cai prá cima” no Brasil. Aquelas belas equações encontradas no meu velho livro de Física não tem qualquer validade, ao menos para aqueles que são identificados como estando na Classe “C” pelos governantes de hoje.

Segundo eles, essa gente, na companhia daqueles que se “jactam” em está na Classe “D” e “E”, está “subindo econômica e socialmente”. Pobre Isaac Newton! Ainda bem que não viveu o bastante para vir para estas plagas tropicais e constatar que aquelas leis todas que lhe consumiram anos de estudo, seriam devidamente refugadas por “fundamentos bem mais científicos” no século XXI.

Vejamos a “subida” da Classe “C” no Brasil nestes anos “dourados”. Em 2002, os domicílios onde viviam esses brasileiros, cuja renda domiciliar, varia de dois a cinco salários mínimos, representavam 34,6% dos domicílios brasileiros. Em 2009, já transformados em “turbinadores” da economia brasileira, haviam incrementado para 37,3%. Proeza possível porque, parte daqueles que moravam em domicílios com renda domiciliar variando entre cinco e vinte salários mínimos que, em 2002 representava 26,1% dos domicílios brasileiros, se “aborreceu” e o contingente reduziu para 21,1%.

Portanto, o incremento da classe “C” se deu devido a uma redução, proporcional e absoluta, das classes posicionadas em situação superior. Essa gente agora é “paparicada” com propaganda, crédito consignado, e outras “maravilhas”. Até para comprar automóvel “popular”, pagando a “perder de vista”, literalmente. Isto porque, lá pela quarta “suave” prestação, a concessionária resgata o bem que não foi pago, porque o comprador da classe “C” não conseguiu bancá-la. Perdem de vista e a posse do bem que concorria com os parcos espaços da modesta casa alugada, ou financiada pela Caixa, num bairro periférico, sem água, sem saneamento, sem escola para os filhos. Detalhes irrelevantes, pois estão “felizes” por, finalmente, serem reconhecidos pelos poderosos de ocasião. Caso nada dê certo, sempre haverá a possibilidade de estarem habilitados a receber uma bolsa família, bolsa natalidade… Uma bolsa qualquer coisa e, claro, uma vaga na universidade como “cotista”. Prá que vida melhor?

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*Artigo publicado em 18/08/2012.

Deveríamos Aprender com a Sabedoria dos Rios

José Lemos

José Saramago, único escritor em língua portuguesa a ganhar o Nobel de Literatura, tinha umas tiradas interessantes. Numa dessas frases ele disse que quando somos jovens podemos tudo, mas sabemos pouco. Na velhice, sabemos muito, inclusive devido ao aprendizado da vida, contudo, pouco podemos.

O tempo tem sido tema para reflexão de escritores e poetas em vários idiomas. Uma das músicas mais bonitas e eternas do cancioneiro internacional, imortalizada na voz de Frank Sinatra, dentre outros cantores, é: “As time goes by”. A música fala que a relação homem e mulher (que parece démodé nos dias de hoje) é fundamental. Namorar e fazer amor sempre fez parte da relação macho-fêmea, em qualquer espécie. Não fosse esta relação gostosa e salutar, a população do planeta, inexoravelmente, estagnaria. Não precisaríamos estudar, em ecologia, a dinâmica de populações.

A melhor idade é a infância e a juventude, não quando chegamos à velhice, como querem aqueles que inventaram a bobagem do “politicamente correto”. Criança e adolescente tem todo um horizonte pela frente. Nessa fase da vida encaramos as pessoas de cabelos grisalhos, principalmente nossos pais e avós, como figuras ultraadas. Com efeito, os nossos primeiros conflitos começam exatamente dentro da nossa casa e com os nossos pais. Os pais, devido ao amor infinito que nos dedicam, conseguem antever equívocos em que possamos nos envolver, mas nós não lhes damos ouvidos. Não raro insistimos nos caminhos equivocados e nos damos mal. Voltamos depois da “burrada” e encontraremos aqueles entes grisalhos e “ultraados” que, de fato, são os nossos verdadeiros amigos, sempre com os braços e o coração abertos para nos receber, já sabendo que aprontaremos outras bobagens que eles perdoarão indefinida e incondicionalmente.

Quando jovens somos sonhadores. Fazemos projetos de conquistar o mundo, ou mesmo de consertá-lo. Entramos por caminhos que se nos parecem interessantes na nossa busca para reconstruir o planeta. Não vislumbramos obstáculos. Acreditamos que todos eles são removíveis, porque temos o vigor da juventude como cúmplice. Mas também temos o desconhecimento como parceiro inconveniente, como advertia Saramago.

O tempo avança e constatamos que, nem tudo que queremos, podemos. Uma percepção às vezes muito cara, porque pode levar a uma espécie de frustração e até de conformismo. Podemos chegar à fase madura e perceber que tudo aquilo que pululava na nossa mente fértil, de apenas poucos anos atrás, não acontece da forma que desenhamos. Os caminhos não são lineares e planos. São tortuosos, pedregosos e montanhosos.

Precisamos aprender com os rios que ao nascerem tem um objetivo: desaguar no oceano mais próximo. Na sua trajetória para atingir esse objetivo, encontram montanhas, penhascos, e os rios, sabiamente, avançam contornando-os. Se necessário, despencam de alturas, que acabam proporcionando espetáculos belos para as nossas vistas. As Cataratas do Iguaçu talvez sejam um dos mais belos espetáculos que um rio pode mostrar, no afã de encontrar o seu caminho para chegar ao seu objetivo. O formato de enormes “serpentes” que assume o rastro do espelho do curso da água dos rios é um exemplo das dificuldades que eles encontram para chegarem onde se propõem.

Na nossa vida também é assim. Imaginamos objetivos a conquistar. Ao contrario da sabedoria dos rios, em geral, não nos preparamos para “serpentear” os obstáculos. Os penhascos que se interpõem na nossa vida, em vez de quedas que proporcionem beleza, como nas cachoeiras, causam dor para nós e para quem nos ama. As quedas, contudo, em geral, não serão em vão. Neste aspecto a nossa trajetória é parecida com a dos rios. Farão parte dos caminhos na busca dos nossos objetivos neste planeta.

Neste processo o tempo nos será algoz e cúmplice. Como algoz, agirá deformando a nossa escultura física, prateando os poucos fios de cabelos remanescentes. A vista “encurta”. Os os ficam mais curtos e pesados. Como cúmplice, o tempo nos ensina a tomar decisões de forma mais bem pensadas. Os ímpetos dão lugar a ações mais cadenciadas. Da mesma forma que os rios, à medida que se aproximam do oceano, antevêem que a sua missão está prestes a ser cumprida, talvez devamos buscar ai lições importantes para o outono da nossa vida. Como os rios, também deixamos para trás, no nosso percurso, um enorme rastro, em que outras águas irão correr. Será muito ruim se deixarmos sujeira, poluição, escavações inadequadas, que visaram encurtar a nossa trajetória na busca de sucessos, mas que deixaram fissuras nos terrenos por onde amos.

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*Artigo publicado em 28/07/2012.

Cem Mil Bolsas de Estudo*

José Lemos

Com a experiência de quem sempre estudou como bolsista, da  graduação ao pós-doutorado, em algumas das melhores universidades do mundo, louvo a noticia veiculada nestes dias pelo Governo Federal de que disponibilizará cem mil bolsas para estudantes brasileiros lapidarem-se cientificamente em universidades top de linha do mundo.

Educação é o principal vetor de desenvolvimento. Nenhum País, hoje desenvolvido, alcançou esta condição sem que antes tivesse feito investimentos expressivos em educação.  Países que se encontram em processo acelerado de desenvolvimento, dos quais a Coréia do Sul é o exemplo mais cintilante, tem na educação a sua principal âncora.

Eu tive, juntamente com mais doze colegas de dez Países do mundo, o privilegio de fazer um turismo cientifico àquele belo país asiático. amos vinte dias andando de ônibus por toda a sua extensão. Na oportunidade tivemos a oportunidade de visitar todas as instituições fomentadoras do desenvolvimento coreano. Fiquei impressionado com a quantidade de jovens Doutores, boa parte conquistada nas melhores universidades americanas, inglesas e australianas. Aqueles jovens estudaram como bolsistas e estavam retribuindo os pesados investimentos que a população do seu país havia feito para as suas avançadas formações.

O Programa brasileiro terá quarenta mil bolsas a cargo da CAPES, trinta mil pelo CNPq e o restante via iniciativa privada. Acertadamente o governo prioriza áreas como Engenharias, Física, Química, Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde, Tecnologia Aeroespacial, Energias Renováveis. As áreas de ciências e de  tecnologias de ponta que realmente fazem o diferencial para o desenvolvimento.

Mas uma das áreas prioritárias que me chamou a atenção é a da “Produção Agrícola Sustentável”.  Finalmente, desde os anos setenta, lembraram que produzir alimentos e matérias primas agrícolas é estratégico e prioritário neste Brasil varonil. Num mundo em que a população cresce e as áreas encolhem, o País tem amplas oportunidades de liderar a produção mundial de alimentos. Atualmente já somos sete bilhões de terráqueos. Isso significa que o planeta tem que produzir, todos os dias, ao menos sete bilhões de quilos de alimentos. Para 2050 a projeção é que sejamos dez bilhões. Teremos mais gente precisando alimentar-se num planeta que terá que produzir em áreas, que àquela altura, já serão bem menores, em decorrência da urbanização das populações e da degradação de partes expressivas do solo terrestre.. Um desafio que apenas as Ciências Agronômicas serão capazes de dar resposta.

Os desafios estão ai para serem superados com inteligência, competência e sabedoria. As demandas mundiais requerem energias alternativas. Esta linha de conhecimento (Ciências Agronômicas)  é a única capaz de viabilizar fontes energéticas da biomassa e dos restos orgânicos. A “Biotecnologia” que também é área prioritária no portfólio difundido pelo Governo, ao lado da “Produção Agrícola Sustentável”, proporcionará às novas gerações de Engenheiros Agrônomos uma ampla oportunidade de buscarem lapidarem-se nos EUA ou Austrália, onde estão algumas das melhores Universidades do Mundo nessas áreas. Como fazem os coreanos, voltarem para o Brasil onde espera-se que encontrem espaço para desenvolverem as habilidades apreendidas alhures.

O fato é que o Brasil patina na área educacional. Por isso somos um País desigual e com enormes bolsões de pobrezas localizados exatamente onde a escolaridade é menor e o analfabetismo é maior. Ainda temos um percentual elevado de analfabetos entre a população maior de quinze anos. Situação que se agravou em relação ao que prevalecia em 2000, conforme se depreende das evidencias retiradas dos Censos Demográficos mais recentes.  Em 2000 era de 13,6% o contingente de analfabetos no Brasil. Em 2010 havia regredido em 4%, ficando em 9,6%. Contudo a população, naquela faixa etária, cresceu de 12,3% naquele lapso de tempo. Isto significa que, em números absolutos, havia mais analfabetos em 2010 do que em 2000. A escolaridade média dos brasileiros não chega aos oito (8) anos. È de apenas 7,8 anos. No Nordeste não a dos 6,5 anos. Um desastre!  Uma informação adicional que mostra o tamanho do caos na educação brasileira é retirada dos dados brutos da PNAD/IBGE de 2009. Apenas 7,4% da população brasileira, em idade escolar, tem quinze (15) anos ou mais de escolaridade.

Oxalá o programa seja pra valer! Como parece haver o empenho pessoal da Presidente, vamos esperar que não seja uma espécie de PAC da educação, que não sai do papel, mas proporciona farto material para propaganda fantasiosa.

Tomara que os jovens engenheiros (de todas as formações), médicos, químicos, biólogos, físicos possam concretizar o sonho de estudar em universidades top de linha no mundo, ancorados em bolsas de estudo do Governo Brasileiro. Esperemos que o programa, uma vez instalado, tenha continuidade, independentemente dos futuros governantes. Isso não é pouca coisa, pelo histórico recente de quem se aventurou a tentar estudar fora do País. Eu posso testemunhar como tem obstáculos a superar. Não sendo perseverante, desiste-se, porque tem muito burocrata frustrado em posições estratégicas, que está ali cumprindo cotas dos partidos da tal base aliada. Estão nos postos de emprego (não necessariamente de trabalho) não por habilidade, mas pelo fato de serem cabos eleitorais, parentes, agregados, ou serem amigos dos políticos que detém os cargos como feudos particulares. Isto é no que transformaram o Brasil depois que, sob a desculpa da “governabilidade”, pode-se fazer de tudo com o suado dinheiro que pagamos em impostos.

Espera-se que agora, parte dessa dinheirama se reverta em uma boa causa: A das bolsas de estudo para brasileiros lapidarem-se nas melhores universidades do mundo. Já será um bom começo para sairmos do marasmo que nos impam nesses tempos em que falar errado, não ter capacidade de construir um raciocínio lógico, não ter competência para o exercício de funções técnicas, ou a fazer parte das credenciais para se galgar postos até nos altos escalões da Republica.

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*Artigo publicado no Jornal O Imparcial em 28 de abril de 2012. 

Dia Mundial da Água*

José Lemos

Na semana ada eu havia prometido aos leitores deste espaço que neste sábado eu iria fazer algumas reflexões sobre a nossa Capital. Contudo, em função das atribulações que ando envolvido na conclusão do meu livro, acabei esquecendo uma data importante e que não pode ar despercebida pela importância do tema. O “Dia Mundial da Água” que ocorrerá no dia 22 de março.

As reflexões sobre São Luis já estão praticamente prontas, mas eu pediria aos leitores a paciência para esperarem até o próximo sábado, 24 de março quando, em definitivo, as apresentarei.

A água é fundamental para a vida. Não haveria chance alguma de qualquer ser vivo existir se não houvesse água. O nosso organismo é composto quase todo de água. Os animais, os vegetais, toda a vida do planeta precisa de água circulando no seu sistema interno. Do mais complexo ao mais singelo organismo, sem água, nada feito!

Os vegetais são os únicos seres vivos capazes de transformar os minerais em vida. Somente executam esta função vital na presença do calor emitido pela luz do sol, pela captura do gás carbônico da atmosfera e, utilizando a umidade que advém desse liquido precioso, chamado de água. Sem ela, portanto, não há vida na terra.

Os Relatórios de Desenvolvimento Humano (RDH) das Nações Unidas são publicados anualmente no verão do hemisfério norte. Nos RDH é que são divulgados os índices de desenvolvimento humano (IDH) dos países. São documentos densos. Os mais recentes nunca têm menos de quatrocentas páginas, das quais, a metade, são tabelas, em que se disponibilizam indicadores de qualidade de vida dos países filiados à ONU.

Na outra metade do RDH são apresentadas reflexões interessantes de acadêmicos que elaboram textos apenas teóricos, ou também ancorados em fartas bases empíricas. Os RDH são temáticos. O Relatório de 1997, por exemplo, tratou apenas de pobreza no mundo. O Relatório de 2006 é dedicado, inteiramente, à avaliação dos efeitos do o (ou da privação) de água e do saneamento ao desenvolvimento.

Naquele documento pode-se ler a seguinte agem: “Água e saneamento estão entre os mais poderosos medicamentos disponíveis pelos governantes para reduzir doenças. Investimentos nessas áreas eliminarão males como diarréia, salvando vidas.”.

A privação do o a esse bem precioso é uma das causas de mortalidade infantil e de aceleração da morte de idosos. Com efeito, no RDH de 2006 também se pode ler o seguinte: “A privação ao o de água e saneamento produz múltiplos efeitos, que incluem os seguintes custos para o desenvolvimento humano: i – algo como 1,8 milhões de crianças morrem anualmente vitimadas por diarréia….Juntos, água não potável e deficiência em saneamento se constituem na segunda causa de morte de crianças; ii – Perda de 443 milhões anuais de dias de escola em razão de doenças relacionadas com a ingestão de água contaminada; iii- Aproximadamente metade da população dos países menos desenvolvidos experimenta problemas de saúde causados por deficiência de o à água potável e ao saneamento adequado.”

Nos países menos desenvolvidos e, dentro desses países, as áreas mais pobres, as maiores carências não são apenas de renda monetária, mas de o à água de qualidade. Em suas áreas rurais, na divisão do trabalho das famílias, sobra para as mulheres o provimento de água para dentro de casa. Elas trazem nas cabeças, não raro, de longas distancias, a água que servirá de beber e para o cozimento da pouca comida que as famílias conseguem garimpar. “Milhões de mulheres alocam diariamente muitas horas do seu tempo coletando e trazendo água para casa.” (RDH,2006).

Dos 5.564 municípios contabilizados pelo Censo Demográfico para o Brasil em 2010, a privação de água de qualidade atingia entre 40% a 100% dos domicílios, em 1.716 deles. A grande maioria situada nas regiões Nordeste e Norte. Nas áreas rurais brasileiras a situação chega a ser de calamidade. De acordo com a última PNAD do IBGE, no ano de 2009, não havia o à água de qualidade em 67,2% dos domicílios rurais brasileiros. O Norte, que é região brasileira mais bem dotada de reservatório de água doce do planeta, paradoxalmente, detém o maior percentual da população rural privada de água de qualidade. Nada menos do que 76,6% da população daquela região sobrevive em domicílios que não tem o à água tratada. Água em abundancia, portanto, não é suficiente. Precisa não ser contaminada para ser vetor de vida.

O “Dia Mundial da Água” serve para fazer este tipo de reflexão. O problema da falta de água de qualidade é imediato. Não há tempo a esperar para ser solucionado.

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*Artigo publicado no Jornal O Imparcial em 17-03-2012.