A tornozeleira eletrônica em Sarney é tardia diante da destruição do Maranhão.

Do Diário do Centro do Mundo

por : Kiko Nogueira

É remota a possibilidade de que o Supremo acolha todos os pedidos de prisão feitos por Janot — a saber, de Renan, Jucá, Cunha e Sarney.

Os casos estão sendo analisados pelo ministro Teori Zavascki. Janot quer Sarney em prisão domiciliar e com tornozeleira eletrônica. Sarney já tem 86 anos e deve dormir sem essa.

Ainda assim, é uma humilhação histórica, merecida, para um velho cacique do PMDB, um ex-presidente da República, um sujeito que nunca saiu do poder desde a ditadura.

Sobretudo, um flagelo para o Maranhão.

Sarney e família pilharam o estado ao longo de décadas. O episódio de repercussão mundial mais recente foi a rebelião no presídio de Pedrinhas, mas o estrago é muito anterior. A dinastia ruinosa já tinha assistido o inimigo Flávio Dino ser eleito governador em 2014.

Até Dino, eram apenas eles. O legado de 50 anos mandando num território onde 40% das pessoas vivem no campo é catastrófico: se o Brasil tem 28% de trabalhadores sem carteira assinada, o índice maranhense supera os 50%.

Dos 15 municípios brasileiros com as menores rendas, segundo o IBGE, dez estão lá. Apenas 6% da população estão em cursos de graduação, mestrado e doutorado.

Tem a menor expectativa média de vida de homens e mulheres: 68,6 anos, cinco a menos que a média nacional. Perde só para Alagoas em matéria de mortalidade infantil. Em cada 1000 crianças que nascem, morrem 29 com menos de 1 ano.

O centro histórico de São Luís, com seus azulejos, já foi uma pérola. Hoje, jogado às traças, é melancólico. Menos para Sarney, cuja “fundação” adquiriu ilegalmente o Convento das Mercês, fundado em 1654 pelo padre Antônio Vieira. Como um faraó, ele anunciou que quer ser enterrado lá.

Seu culto à personalidade — estendido a todos os parentes — se manifesta batizando todos os logradouros públicos possíveis. O nome Sarney está em 161 escolas, no interior e na capital.

Há maternidades Marly Sarney (mulher dele), o Fórum Desembargador Sarney Costa, a Ponte José Sarney, a Rodoviária Kiola Sarney (mãe dele), a Avenida José Sarney, o Tribunal de Contas Roseana Sarney e o Fórum Trabalhista José Sarney.

Em 1966, a pedido de Sarney, Glauber Rocha filmou sua posse para um documentário. Enquanto ele faz um discurso vazio, oportunista, calhorda e sempre atual, (“Vamos acabar com a corrupção! Nós não queremos a fome, a miséria, o analfabetismo!”) a câmera mostra a realidade: casas caindo aos pedaços, hospitais imundos, esgoto nas ruas, gente morrendo de fome e de tuberculose. Sarney fez uma profecia em que a maldição era ele mesmo.

José Sarney era uma uma esperança contra o vitorinismo — o reinado de Victorino de Brito Freire, que durava desde o fim do Estado Novo, em 1945. Seu pai era promotor público (o sobrenome, aliás, foi tirado de um almanaque de 1901. O avô, José Adriano da Costa, gostou da história de um menino de 12 anos que sabia a Bíblia de cor. O garoto se chamava Sarney).

Saía um coronel e entrava outro. Uma invasão de gafanhotos. Em 1990, viu que não se elegeria no Maranhão e que no Amapá havia três vagas para o Senado. Saltou lá de para-quedas, para ser reeleito em 1998 e 2006.

Um conhecido me contou de uma viagem ao Nordeste que fez de carro. No interior do Maranhão, crianças à beira da estrada levantavam cartazes onde estava escrito “fome”. Os viajantes atiravam sanduíches que tinham no Land Rover pela janela.

Foi aliado de FHC, Lula e Dilma. Com Lula e Dilma, emplacou ministros como Edison Lobão, que montou um esquema de corrupção nas Minas e Energia e está sendo investigado na Lava Jato.

Em 2005, Sarney falou que esperava que o convento onde descansará seus ossos se tornasse, no futuro, “ponto de peregrinação”. Pode ser. Mas o povo vai urinar em seu túmulo.

“Lava Jato” Fazendo a Faxina Nacional

O famoso novelista, escritor, articulista, Nelson Rodrigues, atribuía a Otto Lara Rezende, que era mineiro, a autoria da frase “o mineiro só é solidário no câncer”, fato que era negado por Otto que , pode não ter sido o autor da frase que ficou famosa, mas foi um grande formulador de frases de efeito. Outra, entre tantas que ele grafou e que eu destaco aqui e que, como a anterior, tem tudo a ver com o momento politico que vivemos foi: “Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto.”

A minha mãe, que não tinha estudos, mas era de uma sabedoria incrível apreendida na escola da vida difícil que levou, também tinha umas “tiradas” interessantes. Ela dizia que na terra dela, a bela Caxias do nosso sofrido Maranhão, se falava: “ladrão só, prostituta só”.

A frase atribuída a Otto Lara Rezende não é generalizada apenas para os mineiros, mas de um tipo especifico de pessoa, com determinado caráter, que poderia ter nascido em qualquer lugar. Como era mineiro, caso tenha sido de fato o autor da famosa frase, Otto provavelmente imaginou que provocaria menos estragos, porque não estaria se auto excluindo daquele comportamento.

A operação “lava jato” que se desenvolve no Brasil atualmente recebe o apoio da grande maioria dos brasileiros de bem. Este aval é um alivio porque nos sugere que somos, regra geral, gente que gosta de trabalhar, honesta, que não aprecia “malfeitos”, metáfora “politicamente correta” criada recentemente para identificar falcatruas.

O instrumento que ficou popularmente conhecido como “delação premiada” reforça a frase que a minha mãe sempre falava. Ladrão acompanhado está perdido. Praticando delitos com ao menos uma testemunha ele poderá ter no comparsa o seu “dedo duro” no futuro. Ou, o que é a mesma coisa, malfeitores somente são solidários quando estão fazendo malfeitos. Enquanto os malfeitos rendem, todos caminham juntos, tiram proveito e se dão bem. Quando são pegos começam a se acusarem.

As “delações premiadas” feitas por quem cometeu delitos nessa avalanche inimaginável de corrupção que tomou conta do Brasil estão demonstrando que, aqueles que fizeram falcatruas se mantiveram solidários enquanto se locupletavam. Na hora em que perceberam que foram pegos, e na iminência de se tornarem um Marcos Valério, resolveram “entregar” velhos parceiros. Amigos que eram até bem pouco tempo.

O estouro das informações bombásticas do que falou o ex-senador Sergio Machado que, por longos doze anos esteve na direção da Transpetro, um dos pedaços mais suculentos do que foi a Petrobrás, quando se viu em apuros, decidiu que contaria o que sabe de pessoas que eram até bem pouco tempo seus “amigos desde infância”. A imprensa noticiou fartamente que ele estava naquele cargo por designação da fatia de poder na “Respública” petista-pmdebista que cabia ao Senador Renan Calheiros, homem que já demonstrou ser capaz de malabarismo e que tem muitas vidas na atividade política. Somente em republiquetas terceiro-mundistas sobrevive gente assim.

Aqui cabe a máxima de Otto Lara Rezende: “Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto.” Eles sempre estiveram muito juntos nos “negócios” que mantinham ancorados naquela fonte quase inesgotável do vil metal. Sergio Machado também era próximo de toda a cúpula do PMDB. Em apuros, resolveu gravar de forma sub-reptícia (sem que os interlocutores, seus amigos, percebessem) todas as conversas que mantinha com eles. Esperto, encaminhava os diálogos para que os “amigos” falassem o que ele precisava para juntar aos seus argumentos para dizer que ele não estava só naquela sujeira. Assim pegou com a “boca na botija” o senador Romero Jucá que estava pousando de novo vestal da Republica post-PT. Envolveu o ex-presidente da República, aquele que quando imaginamos que sumiu, ele ressurge como fênix atuando nos bastidores. E se fala que da delação dele, Sergio Machado, sobra muito pouca gente dos que estão nas duas casas do Parlamento, inclusive vestais vistosos do PSDB.

O ex-senador Delcidio do Amaral, muito próximo da então Presidente, tanto que era o seu líder e homem de confiança no Senado, além de ser amicíssimo do ex-presidente, mentor e inventor da então presidente, ao se ver em dificuldades, disparou a sua metralhadora em todas as direções e atingiu muita “gente boa”. Incomodou tanto, que os seus pares no Senado cassaram o seu mandato, contrariando o que queriam Sergio Machado, o Presidente do Senado e o ex-presidente da república. E se fala que a “Respublica” ruirá de vez quando sair a delação dos Executivos da Odebrecht.

Malfeitores somente são solidários quando estão fazendo mal feitos, e somente abraçam e apunhalam quem está perto deles. Esqueceram que aprontando juntos estão dando munição para os amigos que um dia lhes denunciarão. Ainda bem que agem assim. De outra forma, tudo que está vindo agora nós nunca saberíamos. Portanto, a Operação Lava Jato, os Procuradores da PGR, da Policia Federal, o Juíz Sergio Moro e todo o Poder Judiciário devem merecer todo o nosso apoio. Devemos sempre contrariar o que sugere a esfinge maranhense. Se ele aponta caminhos para irmos para o Norte, sigamos para o Sul que será sempre mais seguro. E correto.

*Professor Titular na Universidade Federal do Ceará.