José Lemos*
Os senadores aprovaram na primeira quinzena de outubro o projeto que já vinha aprovado pelos deputados que autoriza as Assembleias Legislativas a criarem mais municípios. Deputados e senadores abriram a possibilidade de mais sangria nos cofres públicos. Novos municípios significam mais despesas e nenhum retorno. Seguramente a resposta para a pergunta título deste texto é que não serão os habitantes dos futuros municípios os beneficiados. Este será mais um instrumento de enriquecimento de algumas famílias ligadas aos políticos defensores desta detestável iniciativa.
Leio na edição eletrônica do Jornal O Globo que “a maioria dos senadores elogiou a iniciativa. A exceção foi o líder do PSDB, Aloysio Nunes Ferreira (SP), que, embora não tenha tratado do mérito da proposta, questionou se esse era o momento para votar uma matéria como essa, que pode gerar mais despesas.” O senador paraense Jader Barbalho ao dar o seu testemunho favorável, disse: “Meu testemunho é que, no meu estado, os municípios que foram criados aram a ter melhor atendimento”.
Não é o que mostram as evidencias para os municípios criados a partir de 1996, paraenses ou não, quando se deu a maior “farra” de emancipação de distritos com os mesmos argumentos agora apresentados por aquele, e por praticamente todos os senadores que aprovaram aquela proposta. Melhor ainda, vamos mostrar o que acontece com municípios com populações abaixo de trinta mil habitantes, que é a característica de todos os novos municípios emancipados e de muitos que já existiam previamente.
Em 2010 havia 5.565 municípios no Brasil. Deste total 4.496 (80,8%) tinha população inferior a trinta mil habitantes. As populações desses municípios, segundo o Censo de 2010, representavam 24,5% da população brasileira. Da riqueza gerada no Brasil, computada em termos de PIB agregado, esses municípios somente conseguiam participar com 14,21%. Não menos do que 66,1% da população maior de 25 anos desses municípios é analfabeta ou não tem escolaridade equivalente ao nível elementar completo. Pior, apenas 5,4% da população maior de 25 desses municípios conseguiu concluir o nível superior. A média brasileira neste item não é dignificante (13,1%) mas consegue ser mais do que o dobro do desastre observado nesses municípios, boa parte deles emancipados recentemente.
Em estudo que estou finalizando eu mostro que há “retornos à escala” em termos de tamanho da população dos municípios, tanto na apropriação da riqueza como na redução da vulnerabilidade à educação e ao incremento da população com educação superior. Com efeito, municípios com população acima de cinquenta mil habitantes se apropriam de 10% a 48,7% do PIB agregado. Nesses municípios maiores, a população acima de 25 anos que não completou o nível elementar varia entre o máximo de 56,3% e o mínimo de 34,4%. A que cursou o superior completo naquela faixa etária varia de um mínimo de oito (8) anos e um máximo de dezoito (18) anos. No meu trabalho mostro a relação positiva entre o crescimento do PIB e a escolaridade. Com baixa escolaridade os municípios pequenos não terão condições de ter vida própria. Continuarão nesta condição e sobreviverão das transferências federais, provocando sangria nos cofres públicos. Mas contribuirão para o enriquecimento de algumas famílias e para a carreira de deputados estaduais, federais e senadores “emancipadores”.
Há estimativas que, de imediato, seriam criados 410 novos municípios. Onde se daria a maioria das “emancipações” de distritos? Nas regiões Norte e Nordeste onde prevalecem aqueles indicadores de deseducação mostrados acima. Esse povo é massa de manobra fácil. Estas regiões, que já são consideradas por muitos como um “fardo” para o Brasil, darão mais motivos para se cristalizar este pensamento. Numa conta que, por baixo significaria pagamento de salários de novos prefeitos, vices, vereadores, e secretários municipais, teríamos uma despesa por município criado da ordem de R$ 1,82 milhões por ano. Nos novos 410 municípios a conta que seria remetida para nós que pagamos impostos para bancar mais esta farra será de pelo menos R$ 746.200.000,00. Nesta conta não estão incorporadas despesas com aluguéis de prédios para funcionar as Prefeituras, Câmaras dos Vereadores, Secretarias… Novos municípios não são sustentáveis sob qualquer dimensão de sustentabilidade. O que precisamos fazer é o caminho reverso. Acabar com os municípios com população inferior a 50.000 habitantes. Fundindo-os. Com esta medida reduziríamos a menos da metade os atuais municípios e, como há retornos crescentes à escala neste caso, as despesas caiam em proporção bem maior e, ai sim, seriam criadas condições para deslanchar um programa de elevação da escolaridade, redução dos atuais níveis de vulnerabilidade nesta área. Com mais escolaridade os PIB dos municípios e o do Brasil cresceriam. Criar novos municípios é retrocesso econômico, social e político. Serão, na verdade, homologados e consolidados os “currais eleitorais”. Não podemos concordar com isso. Voltemos à rua!
*José Lemos é professor Associado na Universidade Federal do Ceará. www.lemos.pro.br; [email protected].